2.12.07

Norman Mailer e a idéia de propriedade na política


Se houvesse uma história do Ego, um imenso capítulo deveria ser dedicado ao assunto Norman Mailer. Isso eu explico depois.
Por enquanto vamos homenageá-lo. Ainda não é uma última homenagem ao talento do já saudoso jornalista e escritor, que morreu no dia 11 de novembro , em Nova York.
Pincei do livro "Miami e o Cerco de Chicago" -( tradução de Cezar Tozzi para a Editora Expressão e Cultura) um trecho em que ele desenvolve a idéia da Política como Propriedade. Sem trocadilho, achei essa relação apropriada para entender o jogo do poder, inclusive aqui na atualidade da terra de Macunaíma. (Na verdade, a terra original do mito de Macunaíma é a Venezuela - Mário de Andrade soberbamente adaptou essa história para enriquecer a nossa literatura )
Mas , chega de encher lingüiça e vamos ao texto do Mailer. Cortarei os trechos relativos à Convenção de Democrata de Chicago, um nome ou outro vai entrar para dar alguma consistência ao texto, mas procurarei fixar aquilo que ele tem de genérico, diremos universal.
Na página 31 da minha edição, Mailer escreve o seguinte :
"A política é a propriedade", disse Murray Kempton, delegado de Nova York, em meio às manifestações de um drinque, e nunca uma nova ciência foi mais bem compreendida por um jovem delegado.
Lyndon Johnson foi o primeiro a descobrir a chave de que a política é propriedade e que, portanto, nunca se dá alguma coisa em troca de nada. A política de convenção consiste então não na arte do possível, mas sim na arte do que é possível quando se está negociando com donos de propriedades. (parêntesis : É preciso compreender a mecânica do evento "convenção" na política americana que é diferente da praticada aqui em alguns aspectos- delegados de estados apresentam o peso de seus votos e indicam um candidato, ou somam seus votos à uma candidatura. Na verdade precisaria de um bom manual que explicasse todo o funcionamento de uma Eleição americana, inclusive com infográficos, pois ela tem depois da convenção uma escolha por voto popular que numa outra etapa é submetido a um Colégio Eleitoral que pode modificar totalmente o resultado, como no caso da última eleição onde Bush perdeu na popular e ganhou no Colégio. Vá entender uma lógica dessa?Afinal teremos uma nova Eleição nos EUA seria bom ter alguma compreensnao desse fenômeno)
O voto de um delegado é a sua propriedade. Ele o cederá sem recompensa, na mesma medida em que um homem empenhará sua casa inteira por uma causa meritória.
O verdadeiro dono de propriedade jamais é ambivalente quanto à sua terra. Ele não a desdenha, nem considera as propriedades vizinhas mais meritórias do que a sua própria. Portanto, um profissional da política que não é cioso de sua propriedade é um desertor. O mais humilde cabo eleitoral do bairro mais pobre de Chicago tem o seu bocado. Não pode ser desalojado, sem deixar sua maldição, nem o difícil desenredado com uma centena de donos de empregos da zona. Ele renuncia a dízimos no ato umbidical de lealdade ao seu patrão e recebe em troca proteção para a sua propriedade.
Tais relações de propriedade verificam-se em cada sinecura política do país (juizados, empregos, contratos, compromissos), descendo até cargos em repartições e palavras negociáveis como títulos. Tudo isso é tanto política como simples propriedade. Todos no jogo tem um bocado, que é utilizável. É equivanlente a um capital e pode ser utilizado para acumular juros ao ser investido em empresas sólidas conservadoras como as décadas de lealdade à mesma máquina. Enquanto progredir o sistema, nossa propriedade será abençoada com dividendos. Entretanto, tal propriedade também pode ser usada como capital de risco, pode-se apoiar um movimento rebelde no partido, até mesmo arriscar a perda de propriedade original em troca da possibilidade de ganhar muito mais.
Isto, é claro, é ainda política de prefeitura, condado ou câmara municipal e é a política do profissional de partido, a política como simples propriedade, o que significa política como um poder negociável concreto. O valor do compromisso deles na política, em qualquer momento, é quase diretamente conversível em dinheiro.
A política em âmbito nacional pode ser ainda compreendida como política-propriedade. Desde que a integridade moral (ou impressão pública de tal), num político de categoria, é também propriedade, desde que lhe traga um podere/ ou ganho. Na verdade, um político de elevada categoria (um estadista ou um líder) não tem substância política, a menos que esteja escravizado a instituições ideológicas, ou a interesses e a paixões morais viáveis do eleitorado. Agindo assim, é o agente do poder político que eles lhe conferem, que é certamente uma propriedade."
E aí ele cita exemplos concretos: "Ser um líder anticomunista costumava ser uma propriedade inestimável para a qual havia muita competicão.
Richard Nixon mais uma vez apoderou-se cedo do equivalente a um bom naco de terras de Olklahoma, loteando territórios inteiros dessa propriedade. "Terminem a guerra do Vietnam" é uma propriedade para alguns. "Que nenhum sangue americano seja derramado em vão", é obviamente outra."
Um político apanha e escolhe entre as propriedades morais. Se é esperto, inescrupuloso e não se importa com uma vida de ansiedade constante, se apressará, pois existe grande competição pelas coisas valiosas na política, em apoderar-se de propriedades onde puder, mesmo se estiverem nas mãos de rivais. Se o político for senhor de si, ligado à busca da própria verdade espiritual- o que significa estar disposto a terminar numa posição amarga a que possa conduzi-lo o caráter da sua verdade-, então estará mal equipado para o jogo da política.
A política é propriedade. Apanha-se tanto quanto se pode. Paga-se o mínimo pela sua posse. Extrai-se dela o máximo. Combina-se o mais possível.(...)_ A propriedade política definitiva é o ego. O ego intato e polido pela chama institucional e reverencial.(...)
Tomem nota: a política é o duro trato entre homens duros no que concerne a propriedades. A força deles rside no trato e na sua virilidade. Por trás de cada negociador está a magia de suas propriedades reunidas. O ponto maisimportante da negociação é: quais são as propriedades que possuem a magia mais poderosa? Um bom político pode então lidar com qualquer espécie de proprietário, a não ser um fanático, porque este está alienado de sua propriedade. Ele a imagina o seu nobre ideal como exisitindo perfeitamente bem sem ele. A sua magia compartilhar o suprareal."
Vamos e venhamos, o Norman Mailer sabia ou não sabia encher uma lingüiça?

4 comentários:

Anônimo disse...

Imagine se ele fosse francês... bem, pra quem venceu o 'Bad Sex in Fiction Award', prefiro a vizinha chavista: fala na lata, sem interlúdios.
Boa semana.

LIBERATI disse...

Valeu querida Tinê, minha cronista oficial do blogue.
Boa semana!

Anônimo disse...

pois é, voto vendido, mercadoria. na teoria o voto é presente, dom, oferta de algo para outro. zé

LIBERATI disse...

Voto é mercadoria, mas a idéia de propriedade, por exemplo, ser contra a guerra pode ser uma propriedade de um político democrata nos EUA, isso é interessante e Mailer sacou bem essa característica de apropriação não só de votos, mas de temas, de idéias.
grande abraço