25.1.08

Crônica da Tinê - Conto em Drópis


...escrever no quadro: Cidade. Para cada grupo de cinco alunos, uma cor.

Vermelho. Da poesia veio uma metáfora do corpo amado. Sem pieguices, apenas indicações quanto aos pontos pitorescos além do G e do lado B, pois nos versos os amantes - em verdade, um pouco de cada um dos cinco envolvidos - acreditam que vasculhar sensuais esquinas, só na prática. De preferência, a dois. Sendo que alguns recantos são inexprimíveis, por mais adjetivos ou exclamações que possam existir ao alcance da fala... da mão.

Amarelo. Da prosa saiu um choque de interesses. Um dos integrantes queria falar sobre o grafismo das calçadas a formar um padrão orgânico em contraposição aos vitrais da igreja. Outro, o abandono de animais nas vias públicas a transmitir doenças, ao que um terceiro rebateu de que desfavorecidos têm maior relevância, endossado pelo crítico à ausência de um espaço cultural onde o lazer se uniria a questões sócio-estético-sanitárias para além do anual Festival de Botecos. O quinto elemento acreditava no poder democrático de uma boa rodada de chope, costelinha e mandioca fritas, e que poderia escrever males e bens da urbe em apenas cinco linhas, mas se esqueceu de avisar que suas linhas eram joyceanas.

Verde. Do roteiro, um programa de eco-trilhas a circundar a cidade. Foi unânime a ênfase em se criar o parque da reserva biológica, antes que os micos-leões e os turistas se acabem. De quebra, incentivar caminhadas monitoradas para diabéticos, cardiopatas, terceira idade. O texto virou um conjunto de mapas toscos, linhas pontilhadas em todas as direções, salpicadas de cruzinhas e setas legendadas. Se olhar a uma certa distância, os papéis justapostos dariam um quadro ao agrado de algum Barba-Negra.

Furta-cor. Da peça, parece que todos foram um só ouvido: transformaram o bate-boca do grupo ao lado em pequenas falas cortadas por suspiros de amantes e gritos de macacos, todos em off no fundo da mata, enquanto os personagens discutiam sobre onde armar a barraca. O sarcástico 'james joyce' sugeriu montar tenda no meio da praça da cidade, cenário já pronto, ora, não vamos incomodar a macacada na copa das árvores nem os namorados sob o manacá, além do mais, temos que ir aonde o povo está. Completou com um ribombar de sinos para anunciar a avemaria no fechar dos panos. Sugestão anotada pelos furta-cores para o contra-regra.

Preto-e-Branco. Do filme, o grupo foi mais esperto, deu um close em cada cor. Sob o título "C de Cidade", o vídeo começa com alguém no alto do coreto a convocar fiéis e indecisos a irem abraçar as árvores da reserva, mas ninguém ouve nada, só entendem os gestos entre as buzinas dos carros. Seguidos de cães e cavalos, todos se põem em marcha ao som de "Ponteio", de Cláudio Santoro. Gravaram sons da cachoeira para os amantes velados. Purificados, todos retornam à cidade ao som de "Concerto para Acordeão", alguns "Retratos" para as cenas panorâmicas, tudo de Radamés Gnattali. Os sinos só dobram pelos créditos finais. Os macaquinhos dormem. O povo dispersou. No bar do Antenor, o ’joyceano’ emenda com fita adesiva todos os guardanapos para...

[Tinê Soares - 23/1/2008 - 17:32:22]

3 comentários:

ze disse...

Gente junta já é poesia e crônica pelo fato de se juntar : a tentativa mais poética e absurda? Do corpo amado à àrvore amada tudo é amor, até a Busca do Barba Negra, com b maiúscula, a vida na caça ao Tesouro: por isto que se esconde os ovos para as crianças na Páscoa, Deus a ser buscado. Rastros que se seguem.

TS disse...

Eu ando meio Barba-Negra... não na pirataria, mas na busca; o verdadeiro tesouro tem muitos nomes e valores diferentes para cada um. Obrigada por seu poético comenta, ZÉ.

ze disse...

errei. o certo é "há tentativa mais poética e absurda?" no caso juntar gente. juntar gente é difícil. Tinê eu que agradeço de poder con-viver com vc e as pessoas todas que aparecem na crônica.