9.1.08

O rapaz que matou o radinho


Eu não sabia de nada desta história que vou contar,sonhava com Walter Matthau dirigindo um táxi em Chicago comigo no banco do carona, mas minha mulher saiu decidida a comprar um radinho de pilha. Cismou que gostava de ouvir o noticiário em qualquer lugar do apartamento. Depois me contou que imaginou alternativas para isso, ou a gente instalava um sistema de alto-falantes em todos os cômodos, ou comprava um radinho FM e AM. Ela gosta de ouvir o Boechat e o Zé Simão na BandNews. Rola de rir com as brincadeiras dos dois logo de manhãzinha, enquanto eu estou no terceiro sono. Só os escuto na terceira edição e me divirto pra caramba também com as galhofas deles.
Estava eu no quarto sono e lá foi ela rumo a uma dessas grandes lojas que vendem produtos a preços baratos. Dirigiu-se diretamente para o setor de eletrônicos e encontrou um simpático rapaz que parecia tomar conta daquela área. Perguntou pelo pequeno rádio e recebeu uma resposta que foi como um soco no seu desejo, uma paulada que destruiu um objeto pelo qual nutria uma caloroso afeto.
- Isso não existe mais, senhora! Disse o rapaz na bucha.
Perplexa ela quis saber mais sobre esse falecimento incompreensível para ela. O que tinha sido feito do saudoso aparelhinho popular que alimentou as alegrias e tristezas de muitos torcedores nos estádios do Brasil, e que embalou sonhos de gerações de proletários com seu som vacilante, seus chiados fenomenais. Mais tarde disse que caiu numa fossa igual a quando acabaram com fusca. Sentiu o território da pós-modernidade se afastar dela, o rapaz falando lá de longe e ela, do outro lado tomando um copo do Crush e não entendendo nada.
O rapaz explicou que se ela quisesse, ele tinha um MP3,um MP4, ou um XSL5 ou qualquer outra gerningonça com o nome em forma de siglas enigmáticas onde ela poderia "armazenar" mais de mil músicas.
-É uma espécie de "pen-drive", a senhora entende?
Ela ficou confusa, se conformou, meio contra a vontade e voltou para casa numa tristeza de dar dó. Quando vi a sua expressão desolada, perguntei:
-O que aconteceu, mataram o Kennedy de novo?
-Pare de fazer piadas sem graça...e para de ler esse livro do Norman Mailer sobre o Lee Oswald (ela me cortou na raíz) ...
Disse que tinha acontecido um problema muito grave. Falou que tinha passado por uma experiência terrível, que um rapaz havia dado uma notícia de falecimento de uma coisa assim de chofre , pior , era como se a informasse sobre o do fim de uma era, olhava para ela como se ela fosse um bicho em extinção, um animal de uma era esquecida no tempo. Num certo momento achou que ele mostrou uma certa arrogância além da diferença das gerações, era como se ela pertencesse a um outro planeta.
-Estou velha? Você vê alguma ruga se insinuando em meu rosto? Preciso mudar de creme? Tem algum cabelo branco está me traindo?
Não entendi de imediato o que estava pegando.
Foi aí que contou sua aventura antropológica da procura do radinho de pilha morto.
Terminou com uma pergunta: -Ainda existem pilhas?
Eu caí na gargalhada:- O rapaz matou o radinho? Isso é fan-tás-tico! Preciso avisar a Patrícia Poeta. Esse moleque está por fora, o radinho de pilha é o último bastião da individualidade do pobre. Não pode ser. O Lula não ia deixar. Vai ver que até deve fazer parte do Bolsa Família.
Ela insistiu: -Vai ver que nós é que estamos por fora. Esse negócio acabou, assim como as geleiras que estão derretendo todos os dias, o Al Gore tem razão, tudo acabou ou então é Zygmunt Bauman:-modernidade líqüida e está tudo liquidado! Pode ser pior,é como disse o Marshall Berman, tudo que é sólido desmancha no ar...O radinho virou fumaça, partículas sufocantes de carbono se concentrando na atmosfera , estão acabando com a camada de ozônio...etc e tal .E foi preenchendo uma lista de coisas que desapareceram até chegar à última estampa eucalol...
-Peraí, eu disse, vamos lá de novo. Botei minha bermuda azul que ganhei no Natal e partimos para a loja com um ânimo de samurais a procura de inimigos na nossa cidadela , eu Toshiro Mifune, ela Ziyi Zhang...
Chegamos ao departamento de eletrônicos e para variar a gente se perdeu.
Eu rapidamente resumi minha tese sobre o desenho dos grandes magazines:- O modelo da arquitetura é o labirinto. Tudo é feito para você se desorientar e ir achando vários produtos atraentes pelo caminho enquanto persegue aquele que deseja comprar. Leva um monte de quinquilharias para casa. Será que estou repetindo algum teórico que li por aí? Dizem que não há mais nenhuma teoria original sobre a terra!
E foi aí que demos de cara com uns rádinhos simpaticíssimos, multicoloridos pendurados numa prateleira. Cada um deles tinha um adesivo de um clube do Rio. Eram radinhos feitos para o cara ir ao Maraca assistir ao seu clássico. Escolhemos um do time do coração dela - era AM FM, funcionava a pilha. Nem fizemos teste, levamos um do meu time também. Compramos pilhas e chegando em casa fomos logo botando para funcionar. Uma beleza, eles pegaram tudo que é estação. E ainda levamos de brinde a sensação de que ainda pertencemos a um só mundo que conserva algumas coisas boas. O rapaz que matou o radinho, no entanto, com sua fúria assassina, deve estar no seu admirável mundo novo junto com Chuck Norris, Schwarzenegger , Steven Seagal e outros exterminadores do futuro.

10 comentários:

Anônimo disse...

Ola Bruno,

É engraçado mesmo, mas o Reginaldo comprou um radinho de pilha novo porque o dele, que eu havia dado de aniversário de 50 anos, (dele né..) pifou. Comprou outro igualzinho ao antigo, que tem até uma alça que acho que é pra pendeurar no guidão da bicicleta. Comporu ali na sete de abril, no centrão, numa loginha que também vende pen drive e outras tranqueiras eletrônicas. O radinho não morrerá jamais.
Bj grande

LIBERATI disse...

Querida Rosa, fico honradíssimo com sua visita a este modesto blogue. Pois é, radinho de pilha não morrerá jamais. É o último bastião ( tem gente que chama Sebastião) da individualidade proletária. Agora estou feliz da vida com o meu ligado a todo volume. Ouvi agora o Zé Simão dizer que no caso do roubo das obras de arte do MASP , os ladrões "chutaram os Bardi". Aqui no balneário decadente um sol de matar e o governador querendo tirar o carona na garupa das motos para evitar o assalto. Se o assalto for no sinal ( aí em Sampa também chamado de Semáforo) , o governador vai tirar o sinal? E o Nani que botou uma charge no em que aparece uma figura cantando nos EUA:- Na minha casa todo mundo Obama, todo mundo bebe, todo mundo samba"...Vamos nessa
um beijão em você e na Laurinha (minha repórter de moda favorita) um abração no Reginaldo e aumente o volume do radinho...que pen-drive que nada!

Sizenando disse...

a alça do radinho sempre ajudou a gente: pendurado no pulso, nos permitia procurar nos bolsos e manejar com facilidade as fichas de metal, que a gente usava quando telefonava do orelhão - sim, já(h)ouve orelhões, agora só há celulares.

aliás, ainda não consegui instalar nesta #@$%%#@@!!"&*¨$% de P.C. o programinha furreco que permite transferir fotos guardadas no celulari!

vou voltar às pilhas, com licença.
falando em graça, é bom e divertido ouvir o pessoal da CBN "tirando sarro" com a cara do Heródoto Barbeiro. não presto atenção às noticias.

LIBERATI disse...

Querido amigo Sizenando, rádio é um grande barato. É uma boa companhia, me alegra muito quando estou cozinhando macarrão. Depois eles falam de tudo na maior, da queda das bolsas , ao crime mais vil , da história de uma melancia gigante até o cano que estourou na Avenida Central, tudo na maior velocidade e acontecem também as entrevistas rápidas, dezenas de pessoas falando de seus livros, CDs, filmes, ou a defender o Estado das críticas etc e tal... Eu cresci ouvindo rádio. Perdi um balão por causa de uma comédia de rádio, quando me toquei o balão estava no meu quintal e um monte de gente brigando por ele.
É isso aí. Grande abraço e feliz ano Novo com muita sorte.

Sizenando disse...

...boa grande parte do que aprendi a gostar de música popular foi graças ao radinho, no caso, era um radião, na cozinha.
minha mãe cozinhando, enquanto eu ia aprendendo a gostar de mpb com o programa do Moraes Sarmento - naquele bairro afastado... um realejo... por aí vai.
foi por causa do rádio que fiquei sabendo da morte do Kennedy - lembro, nao esqueço, das lágrimas rolando no rosto de minha mãe, não entendia muito bem, na hora, mas sabia que tava rolando coisa importante.

LIBERATI disse...

Caro Sizenando,falando na morte de Kennedy,eu também não entendi bem na época aquela choradeira. Em casa, na escola, nas ruas. Foi uma coisa tremenda. Anos depois, digo agora, resolvi ler sobre o assunto. Claro que vi o filme-tese (que acho bom) de Oliver Stone JFK. Terminei de ler A História de Lee Oswald de Norman Mailer (uma tarefa que me impus- reler todo o Norman Mailer- Ele é um baita repórter e um escriba de talento- embora Verissimo ache que o Mailer como escritor fica abaixo de Updike e Saul Bellows ou Philip Roth. Quem sou eu pra desmentir o Verissimo?
Mas, voltando ao Kennedy , tem um outro livro que vou falar dele neste blogue que fala dele, mas ee surpresa. Vou fazer uma pequena resenha dele nos próximos dias. Mas o livro sobre Oswald é interessante, conseguiu seu objetivo que era tentar entender Oswald, mas passa longe de entender o assassinato. Não quis dar o braço a torcer para Oliver Stone. Mas deixa um monte de pistas, fios desemcapados...Talvez faça resenha deste também, de qualquer forma vale a leitura, muito longo, cheio de detalhes, realmente um jornalismo de investigação bem escrito.
Um abração

Anônimo disse...

Toshiro Mifune, 'Yojimbo', 'O carregador de riquixa' (este de um papa que não o kurosawa, mostra a tradição perdendo para a modernidade, super) : japas. A novidade é o recarregador de pilha: estou curtindo um, recarregador colocando as pilhas todas até do relógio para recarregar. filmadora... zé

Anônimo disse...

Grande filme! fica claro que quem mata Kennedy é a indústria de arma: arma tem que proibir a venda. zé

LIBERATI disse...

Caro Zé, os Japas são sensacionais no cinema. Agora recarregador de pilha, onde posso encontrar? Preciso de um urgente.Agora que tenho meu radinho de pilha, aliás mais de um e ainda por cima uma escova sensacional que funciona a pilha, preciso de umr recarregador de pilha.
Mudando de assunto, o filme do Oliver Stone é sensacional e vai de encontro à tese do Complexo Militar Industrial que não é do Alemão , mas foi inspirado na máquina bélica de Hitler que se não fossem os russos estaria mandando ver e a gente nem poderia ser liberal. Ser liberal seria um crime. Foram 20 milhões de mortos na URSS só nessa guerra monstruosa. E a guerra continua no mundo. Quantas guerras estão em andamento agora? No começo do filme de Stone, o Presidente Eisenhower faz um discurso apocalíptico e profético que mostra o poder desse complexo e o risco para o futuro da democracia. O problema, acredito é que eles se acostumaram a ter uma "economia de guerra". Buda salve o mundo!

Anônimo disse...

Liber: vinte de russo, seis de judeu, dez de alemão, milhões de pessoas mortas, tudo branco, de raça, gente guerreira. Se contarmos a primeira guerra, mais branco morto no século vinte. É doido. zé p.s. carregador 'cê encontra na esquina.