16.5.08

Crônica da Tinê - Incomunicabilidade


Descartei o título "Quiproquó". Podia ser cocoricó, o galo não tem saudade da galinha carijó. O canto espantaria os que afirmam algo sem saberem ao certo de onde o galo cantou, para quem e porquê. Galinha que cisca distraída no quintal corre o risco de ir parar na panela do vizinho. Agora é uma tímida cata-milho, de repente, desenxabida que só 'cê vendo!

Talvez seja melhor botar ali no início "O prefixo DES". Desencontro, desentendimento, desconexão, descontinuidade - tudo isto aconteceu comigo nestas duas últimas semanas e, desconfio, não fosse a decisão em dar os casos por encerrados, ainda estaria a processar desculpas para não descambar em desafetos, mesmo ciente de que serei acusada de ser descortês com alguns. Pensar que tudo começou com a festa de um (que para mim não houve) e acabou numa citação poética de outro (que entenderam errado).

Quando não sei ao certo como agir, paro com aquela cara de colegial em prova de múltipla escolha - elimino o máximo possível as opções plausíveis de erro, até restarem duas para chutar uma. Pimba, quase. Na trave. É intrigante como a gente, quando em dúvida sobre o certo e o errado, sempre dá a resposta errada. Lei de Murphy.

Vou recomeçar. “Cacarejos”. Enviei receita de galinha ao "falso molho pardo" para uma conhecida no Piauí, com cópia para outras duas conhecidas entre Espírito Santo e Minas. Uma do Rio recebeu o texto encaminhado por uma das três e me cobrou ter esquecido dela, até no dia das mães. Enquanto respondia que ela, a carioca, detestava cozinhar, a piauiense respondeu que preferia fazer capote cozido e tomar a cerveja bem gelada. Retornei-lhe: capote, para mim, é galinha-d’angola, além de ter horror a molho pardo verdadeiro... fui interrompida pela capixaba que me corrigia sobre o autor de uma citação que fiz no meio da receita - pausei para verificar e confirmei que eu estava certa, o verso era de João das Pombas. Como prova, enviei o poema inteiro. Retornava à cervejada em Teresina quando a mineira, anfitriã da tal festa (que para mim não houve), perguntava em letras garrafais: "O que aconteceu? Você sumiu!" Ainda chorosa por ter perdido o churrasco, em que entrei numa de que tinham esquecido de mim, expliquei-lhe apressada que o combinado foi mal interpretado pelas partes, e sobre o desejo de ter outra oportunidade. A cerveja virtual começava a chocar no desquitópi quando a capixaba, impaciente, vem com "O que pombas têm a ver com galinha?” – PIM! nova mensagem: uma prima em Cerrito escreve “Eu também quero!” - e a carioca avisa que o meu telefone é fantasma de ópera: só atende uma secretária-eletro-barítono do tipo "Oi, tô nem aííí..." Volta a comadre mineira amuada a rebater "Agora, Inês é morta, pois todos já part..." quando a linha caiu.

Receita, galinha, pomba, poema, churrasco, hora, porta fechada, bronca. Depois deletei tudo para evitar tréplicas. Abro nova mensagem. Assunto: Dum spiro, spero. "Enquanto respiro, espero, como diziam os romanos” , reclama um tio latinista no Rio, por fora dos assuntos acima. Num latim furreca de caixa de fósforos, respondo: Lettera scriptum manet (que me desculpem se escrevi errado, mas o escrito permanece).

Não é ruim ser um pouco distante. Um tanto surda, sim. O problema está na leitura das coisas, ou na precária sintonia entre os seres. Muitas são as pontes. Corações chamuscados à parte, eu prefiro frango ‘à cubana’. Com cerveja de verdade ao cair o sol no silêncio dos montes.

Tinê Soares – 13/5/2008

2 comentários:

ze disse...

Tinê, Tinê, a ex-musa me deu o fora completo ontem por telefone. Vamos reatar? vc fica sendo a Musa titular e volta a me escrever de vez em quando? 'Stat crux dum volvitur orbis' - permanece a cruz enquanto gira o mundo. Sempre faço empadão de queijo de Minas. Quer a receita?

TS disse...

Então, o galo arrancou uma pena do rabo...
E agora, Liber, o que faço c/ o Zé do empadão de queijo de Minas? Prefiro quiche...

Abraços.