15.5.08

Meus encontros e desencontros com "O Primo Basílio"


(Continuação da Viagem ao maior engarrafamento do Século)
Respira repórter!...O metrô sufocante me leva ao Paraíso (não se impressionem, é apenas o nome de uma estação). Ali eu faço uma baldeação (conexão com balde?) para a linha que me levará até a Estação da Consolação.( é muito "ão" na terra do Minhocão). Lá pego uma escada rolante - afinal para onde eu caminho, cadê a rua Augusta, e a direção Centro? Onde é a avenida Consolação? Sei que alí ninguém consola ninguém, e essa história de consolo é conversa de viúva, mas me encontro no frio da Paulista, gente pra caramba, a noite se aproximando e eu com uma fome de anteontem . Quando entro na passagem subterrãnea que atravessa a Consolação (perto do Cine Belas Artes e do antigo Bar Riviera - hoje fechado, no qual se encontravam os personagens da recente minissérie da Globo -" Amigos " da Maria Adelaidade Amaral)...Bem, quando entrei na passagem subterrânea que abriga um sebo coletivo denominado "Via Libris" encontro logo de cara , olhando para mim o livro "O Primo Basílio" de Eça de Queirós editado pela Ática no final dos anos 70.Fiquei emocionado, acontece que a capa deste livro foi feita por mim e eu tinha perdido o meu exemplar faz muitos anos. Na verdade numa série de encontros e desencontros.( A capa está aí do lado como ilustração desta croniqueta) Explico melhor, no ano de 1976 eu estava engatinhando na profissão de ilustrador quando encontrei a figura iluminada de Jiro Takahashi que viu meu porta-fólio no qual juntava nessa ocasião alguns artigos ilustrados do jornal Movimento e uns outros que havia publicado no Jornal da Tarde, umas HQs e ilustrações coloridas que eu tinha feito só para mostrar para editores a procura de trabalho. Jiro confiou em mim, e me passou esse livro do Eça para fazer a capa e o material didático que o acompanhava ( Uma história em quadrinhos apresentando os principais momentos do livro para conferir e orientar a leitura dos alunos - o livro servia como apoio para professores de literatura). Foi meu primeiro desafio com ilustração de capa. Trabalhei com colagem e o desenho foi feito com lápis de cor , aquarela e guache.
Para fazer a HQ do material didático usei um episcópio que existia numa grande editora de Sampa que foi muito gentil em me permitir o uso desse instrumento ótico. (Nessa época o episcópio e o aerógrafo estavam na moda).
Trabalhei duro, meu filho estava para nascer, a mãe dele e eu vivíamos numa dureza danada e estávamos aprontando as malas para mudar para o Rio, coisa que aconteceu quando encontrei um amigo, o John, que é descendente de chilenos e americanos e me indicou para trabalhar no estúdio de um ilustrador famoso de histórias infantís que tinha um escritório no Rio Comprido. Não fiquei muito tempo nesse estúdio, sabe como é o cara era italiano e eu como dá para ver pelo sobrenome também tenho ligações com o país que tem o formato de uma bota. É tutto buona gente, porém a coisa não deu certo. Mas esta é outra história. O que importa é que terminei o livro no Rio enquanto esperava que acontecesse algo de positivo na minha vida. E de fato aconteceu, consegui trabalho num grande jornal carioca, fui contrado para ilustrar um suplemento em forma de tablóide que na época se chamou "Serviço Completo". Passei ilustrar também o caderno de "Livros" e uma revista dominical.. e assim passei perto de 30 anos pintando o 7 , inclusive escrevendo textos neste antigo habitante da avenida Brasil.
Acontece que nesse interim acabei perdendo o meu "O Primo Basílio".
Muito tempo depois um amigo do departamento de arte achou numa livraria da Rodoviária um exemplar do livro e quando viu o meu nome na página dos créditos comprou e me deu de presente.
Corta/ Passa para o departamento de criação de uma agência de publicidade, onde uns sujeitos me entrevistam, e meu porta-fólio já era maior e incluia dentro dele o livro que meu amigo tinha encontrado na Rodoviária . Eu pensava que eles queriam contratar meus serviços de ilustração e eles "raposamente" me sondavam a respeito de um cliente que eu tinha- um curso de inglês para o qual eu fazia trabalhos numa espécie de escambo: - eu desenhava as peças publicitárias do curso em troca de aulas da língua praticada na grande Albion. Muita conversa mole depois, o pessoal da agência viu meus trabalhos e me descartou (ainda não se falava deletou) com aquele papo de que a gente te liga etc e tal...Acabei esquecendo meu livro lá, mas só percebi muito tempo depois e nem me lembro se telefonei para perguntar se alguém de lá tinha ficado com ele.
Desde este dia sempre andei a procura dele nas "feirinhas de livros" ou sebos que costumo frequentar e nunca mais o encontrei . Precisei passar pelo maior engarrafamento do mundo para achá-lo alí, na passagem subterrânea da Consolação. "O Primo" se encontrava em bom estado, mas sem o material didático que o acompanhava, decerto foi usado e virou poeira...Comprei na hora e fui correndo para a casa de meus caros amigos que me hospedaram nos dias em que passei pela cidade que me permitiu encontrar a minha primeira capa...(outras surpresas me esperavam na terra de Borba Gato)

4 comentários:

TS disse...

Deve ser emocionante encontrar, por acaso, um trabalho antigo; pois saiba que tive este livro (já se perdeu pelas doações forçadas p/ desocupar espaço em casa) e não prestei atenção no autor da capa, veja vc, que vacilo!

Como saudade não tem idade, é sp bom relembrar os lugares, pessoas e coisas que fazíamos na terra natal.

No 1º "capítulo" desta sua visita a Sampa vc deixa parecer que é um estrangeiro em sua própria terra; pois, comigo tbm acontece isso qdo visito o Rio.

Aguardo o próx. capítulo e... ah, gostei de ver: conseguiu pôr as etiquetas!

Abração!

LIBERATI disse...

Querida Tinê, minha relação com São Paulo é muito complexa. Lá tenho parentes e os meus grandes amigos "históricos". Lá me formei em parte, lá vivi minha infância em tempos duros, difíceis e poéticos. Lá vivi uma adolescência entre o trabalho e um curso técnico de química. Lá conheci a sociologia e a periferia.
Acho uma cidade difícil, acolheu imigrantes de todas as partes, mas inchou, cresceu sem ser cuidada adequadamente. Hoje é uma megalópole, não a reconheço, tenho medo dela e como disse o Caetano em Sampa ela insistiu em destruir coisas belas, minha memória cada vez mais se apaga nas camadas geológicas de um shopping que soterrou algo muito significativo do passado. Ainda bem que existem pessoas que lá pensam e tentam preservar a identidade da cidade, seus prédios, praças...escreveria um tratado para falar de São Paulo. Você tem razão, hoje sou um estrangeiro em suas ruas, mas os amigos, estes estão lá sempre generosos e vivem para transformá-la num lugar decente para se viver.
bjs

ze disse...

a cidade criticada afinal fez um carinho no cidadão de coração. despoluir os rios Pinheiros, Tietê etc é possível. Teu currículo é rico!

LIBERATI disse...

A cidade criticada está em meu coração sangrando.
grande abraço