26.6.08

Herói, eu?


Desculpem, mas essa vai ter que ser na primeira pessoa do singular que às vezes foi plural, contraditório, imprevisível e invariavelmente lunático.
Aconteceu num tempo em que eu era magrelo, desengonçado e para um beque de futebol de salão, muito desligado e irregular. Meu time começou na Igreja de Vila Aurora e Água Fria e mais tarde incluiu as cores da Paróquia de Nossa Senhora da Salete lá pelos altos de Santana. Naquele tempo estes eram bairros pobres com uma zona classe média asfaltada e arredores de muito mato e terra batida, ruas sem luz, gente humilde, trabalhadora. Hoje o cenário é diferente, uma boniteza!
A camisa era amarela como da “Seleção canarinho”, o Padre era nosso técnico e mentor espiritual. O time em seus últimos tempos contava apenas com um craque, Ney. Era baixinho e cheio de estilo até para acender cigarro, sapato sempre lustroso, era o rei da finta, tinha um controle de bola espetacular e tenho certeza que se houvesse justiça nesse mundo, o tempo voltaria àqueles anos 60 e um “olheiro” levaria aquele garoto para um time grande, como aconteceu com o lanterninha do Cine Vera que virou astro do basquete. O nome dele era Ubiratan, chegou a ser campeão mundial em 63.(morreu em 2002 em Brasília aos 58 aos de idade). O resto da nossa equipe se virava e na média, fazia boa figura entre os amadores. Só para ter uma idéia da nossa excelência, o único negro do escrete, Zé Carlos, era o goleiro. Na verdade nosso time era multi-étnico. Tinha uns “germânicos” como aquele “ser” que conseguia botar uma xícara de café quente inteira (sá faltava o pires) na boca sem se queimar, que para variar atendia pelo apelido de “Alemão” e o Alfredinho, que devia ter um pé na Bavária, , era míope feito Mr. Magoo e jogava sem os óculos. Seja lá que raça loura fosse, era companheiro inseparável do finado Marcos, que não tinha parentesco com os tedescos, mas lembrava alguém de Liverpool, não só pelo tipo, mas pelo penteado e roupas daquela moda bizarra lançada pelos “fabfour”. Gente finíssima, era a cara do o Ringo Starr, só que mais magro e tirava uma onda com as meninas que amavam os Beatles. Namorava sério com uma garota que era vizinha de uma outra que eu era apaixonado. Por sua vez essa menina de meus sonhos de adolescente namorou, coitado Miltinho que morreu afogado com outra namorada numa lagoa.
No lado italiano, tínhamos Dino, ex-seminarista, que demonstrava um preparo atlético formidável, fazia “bandeira”(aquele exercício em que se eleva o corpo só com os braços fixos numa barra vertical, como se fosse uma bandeira)com a maior naturalidade, corria como uma locomotiva. Seu irmão mais novo, era conhecido como “o italianinho” mas também como Menegazzi, era meu amigo do peito, salvou a minha vida uma vez no colégio quando um veterano galalau ia me cobrir de porrada. Era o nosso Alain Delon, daquele Rocco e seus irmãos. No meio desses gringos tinha eu, brasileiro de nascimento, mas descendente do pessoal de Benevento misturado com venetos, romanos e com um pingo de sangue alemão que corria lá pras bandas dos Müller que pousaram em Americana. Um pessoal que resolveu atravessar o Atlântico para arrancar café, tocar tecelagens, olarias, fábricas de ladrilhos e bondes em Essepê.
Eu era um corpo de passeio que o vento levava, sem pulmão nenhum, mas cheio de marra, com gingado de jogador e estreei nesse time de água benta num jogo contra um Colégio de Santana que só tinha fera e na primeira dividida fui parar no alambrado quase sem vida depois de um jogo de corpo do adversário.
Ia me esquecendo que o nosso escrete contava com Ratinho e Rubão, irmãos de sangue que tinham um futebol de toque refinado e arrasavam nos bailinhos ao som de Ray Conniff.
Foi nessa turma eu tive o meu dia de herói. Foi quando inventamos de enfrentrar “Os “Bambambans”(não citarei o nome real do clube para não humilhar nosso adversário), time imbatível da Zona Norte. A gente até tremia de entrar no “estádio” deles. É vero, os caras tinham uma espécie de estádio lá na baixada de Santana.
Entramos na quadra já recebendo vaia,e todo mundo sabe que torcida toda contra é um jogador a mais a pegar no seu pé. E nós, aqueles carolas, que tinham como técnico um sujeito de batina e que rezavam o Pai Nosso e a Salve-Rainha antes de entrar em campo acreditávamos firmemente no além. Com reza ou sem reza uma coisa era certa: a derrota era questão de aritimética, mas aí entrou o fator “x” e ela virou uma equação matemática no setor das probabilidades, e aí entro eu, o fator imponderável. Mas só entrei no segundo tempo, quase nos minutos finais. O placar mostrava 2 a 1 para eles. Nossos jogadores exaustos. Quase todos os reservas já tinham entrado e nada se alterava. Uma marcação dura impedia qualquer ataque dos nossos valorosos atletas. Aí Ney, o craque, diz que não agüenta mais, estava sem ar, também, fumava feito um cantor de cabaré! O padre me indica, vai você, é a sua vez , seja lá o que Deus quiser.(para ver a consideração que eu tinha na escala de valores do padre) Dino que era nosso capitão falou , vai para o ataque, nem pense em ficar lá atrás. Não tremi, entrei como um possesso (lembrei de Amarildo que substituiu Pelé na copa do mundo de 62 no Chile.)Com todo gás corria o campo como um faminto atrás de um sanduíche, dividia todas, dava carrinho , botava a bola para fora e me deslocava em busca de um passe. Foi quando “Menegazzi” me viu livre, rolou a bola, ela veio redondinha, venci meu marcador na corrida e enfiei o pé. Ela passou por debaixo do goleiro. Aí foi um inferno para os adversarios, nossos companheiros se transformaram com o empate e partiram para cima. O jogo ficou violento e fui advertido pelo juiz para que parasse de me comportar como um assassino em campo. O padre mandou ir para a frente como se fosse uma cruzada:- Liquidem os mouros! E num passe para o “Menegazzi” aconteceu o milagre- ele deslocou o goleiro e a bola estava mais uma vez lá dentro do véu da noiva. O resto foi uma luta contra o tempo, botinadas a parte e mais ranger de dentes e ameaças e chegamos com a língua de fora ao final. Fui carregado como o herói da partida, o cara que desequilibrou. Nem tirei a camisa no vestiário, dormi com ela, e a glória de ter vencido “os reis da cocada preta”. Foi um dos pouquíssimos momentos em que resvalei o que eu imaginava ser um “herói”, aquele que recebe uma inspiração divina e transcende a condição humana.(Tá certo que em uma outra crônica me senti como Ben-Hur, mas essa é outra história). Depois nunca mais. Percebi que não tinha nascido para ser herói de coisa nenhuma e que aquilo foi apenas um belo momento juvenil…
(Desculpem, mas tenho certeza de que esqueci o nome de alguns amigos que faziam parte desse exército de Brancaleone…como o tempo me lembrarei deles e farei uma justiça poética em algum post deste blogue)

10 comentários:

ze disse...

Liberius, está uma beleza! É vero! Você foi a arma secreta que entrou no fim! Sant'Anna e s. Joaquin são os avós de IHS lembra ho-je no jornal d. cardeal, a festa em fins de julho junto com s. Tiago o maior pois tem o menor - são todos primos.Felicidades.

LIBERATI disse...

Pois é, meu caro Zé, um dia eu fui a arma secreta de um time. Bons tempos, tenho saudades. Que bom que você gostou da crônica desses anos que não foram felizes. Mas, nesse tempo perdido na poeira havia uma inocência, uma sensação que o mundo começava ali...E de fato começou...quantas histórias pra contar.
Grande abraço

Unknown disse...

Caríssimo B.sómente hoje "descobri" seu blog e me deliciei com esta crônica.Provàvelmente vc terá dificuldade em se lembrar de mim. Afinal eu não era tão bom jogador assim. O Alemão a que se refere deve ser o Agenor, que trazia uns bolinhos feitos pela sua (dele)avó ou mãe, pra vender na quadra, em dias de jogos e,geralmente, eram consumidos antes do inicio da peleja, de tão bons. Alguns não citados, o Reinaldo, o Sizenando, o Braza,o Geraldo, o Gerubinha e mais uma "leva" de valorosos que também me fogem.
Tenho algumas fotos da quadra e,oportunamente farei chegar até vc.
Grande e afetuoso abraço a voce e cada vez mais sucesso.

Claudio Jorge

LIBERATI disse...

Caro Claudio Jorge, terei que me situar, pois me lembro do Agenor, o nosso Alemão que conseguia botar uma xícara de café dentro sua fenomenal bocarra (tinha esquecido o nome dele). Você me fez lembrar de Reinaldo - amigo que tinha uma TV onde assisti (vide crítica do filme "Uma noite em 67" neste blogue) àquele festival onde ganhou Ponteio do Edu Lobo, mas o grande sucesso foi de Alegria, Alegria. Sizenando chegou a me visitar no Rio faz 25 anos. Depois perdi o contato com ele. Do "Brasa" eu me lembro bem, era bom jogador. Também me lembro do Reinaldo e do "Gerubinha" o enfant-terrible, irmão mais novo do Reinaldo que parece que faleceu.
Eu, na verdade não era bom jogador, era muito irregular. Tinha dias como o da crônica em que conseguia ir bem em campo. Noutros dias eu "engrossava" - parece que as pernas ficavam duras como dos famosos pernas de pau. Continuei com essa irregularidade em campo até que um dia vi que não tinha mais pulmão para acompanhar o ritmo de jogo da moçada. Foi no Jornal do Brasil - a gente formava dois times e jogava nas dependências do gasômetro do Rio que ficava perto do Jornal. Um dia, percebi que não coseguia mais respirar direito. Aí parei de vez e resolvi ir mais devagar - uma longa vida sedentária não me levaria muito longe naquele pique.
Caro Claudio - neste blogue tem um endereço de e-mail. Me escreva, vamos botar a nossa conversa em dia. Que bom que já comecei o ano encontrando um amigo daqueles bons tempos.
grande abraço

LIBERATI disse...

Correção do comentário anterior, o Gerubinha era irmão do Geraldo, e não do Reinaldo.

LIBERATI disse...

Caro Claudio, claro que me lembro de você. Você não casou com a Esmeralda?
grande abraço

Unknown disse...

Meu caro B.,certo e certo, continuo casado. Enviei um link do blog para o Rubens, o Reinaldo, a Emilia e a Me. Ainda temos muita história pra relembrar. Estou garimpando outros contemporâneos, para curtirmos juntos aquele tempo.
Me aguarde via e-mail.
Abração

LIBERATI disse...

Caro Claudio, que bom que nos encontramos, caramba, eu me lembro que lá pelo ano de 1996 eu encontrei o Zé Carlos e o Ratinho (irmão do Rubens). Meu filho chegou a ir até a casa dele comigo, tocamos algumas músicas no "estúdio" que ele montou com a esposa dele. Foram momentos de reencontro muito legais. Com o Zé também, por uma infelicidade eu estava almoçando com o Zé e a esposa dele perto do hospital onde meu pai estava internado quando meu velho faleceu. Foi um choque muito grande. Foram tempos difíceis e acabei por perder o contato com o Zé e o Ratinho. Que bom que você ainda está em contato com boa parte daquela turma. Faz um tempo, o Dino, lendo esta mesma crônica me mandou um e-mail- ele está casado também com a Suely, mora no interior onde organiza as festas juninas que são de arromba e o Sérgio (irmão dele) foi para o Sul do Brasil. Também não tivemos mais contatos. Mande um beijo para a Esmeralda e todos os amigos queridos daqueles bons tempos. Vamos tentar sim, fazer um reencontro. Quem sabe ainda este ano. Eu me qualifiquei para o mestrado em Comunicação Social que vou cursar este ano, e já te adianto que vou ter pouco tempo para viagens que não sejam dentro de livros. Mas vamos fazer um esforço de reportagem.
Grande presente de ano novo te reencontrar e também essa turma toda. Tenho muitas saudades.
grande abraço e não vamos perder o contato.

Unknown disse...

Boa noite.
Hoje cheguei cansado de tanto trabalhar, estava coçando o saco no sofa e, resolvi dar uma olhada nos meus e-mails. Recebi um do Claudio e com muito prazer lembrei daquela época, bons momentos muita integração muita união.Parabéns pelo texto mas, não lembro de você como jogador de futebol nem de ping-pong lembro-me como caricaturista e na glíptica que você fazia em lápis, por um bom tempo cheguei a guardar um lápis que você me deu. Admirava a facilidade com que você esculpia um pequeno lápis.
Bem, mas chega de conversa mole, um grande abraço e tudo de bom nos seus estudos.

LIBERATI disse...

Talvez você não tenha acompanhado a minha carreira futebolística que começou em Vila Aurora e terminou na Igreja da Salette. Na verdade, como eu salientei na crônica, era um jogador irregular, mas que nesse dia, tive meu momento de horói ao empatar um jogo que estava perdido, justamente substituindo o Ney, que era um craque. Mas, não fui muito longe nessa de jogar futebol de salão, pois logo me machuquei feio arrancando a sola do pé numa daquelas irregularidades do cimento da quadra, (eu estava jogando descalço num rachão). Como você pode ver a irregularidade me persegue. Depois fui para a escola de química industrial com o Sergio e o Dino, e então no fim acabei numa fábrica, trabalhando no turno da noite. Fiquei naquilo um tempo, até que descobri um livro de Sociologia do Talcott Parsons e foi como se um mundo novo se abrisse naquele momento. Imagine, um sociólogo americano fazendo a minha cabeça! Larguei a fábrica, me inscrevi num Cursinho, junto com o Sizenando e a Fernanda e fui parar no curso de Sociologia e Política- trablahei um bom tempo em favelas e bairros operários em Sampa e por fim ingressei no jornalismo, como ilustrador...A vida é cheia de reviravoltas. Citei você numa crítica ao filme "Uma noite em 67" que consta neste blogue - foi na sua casa que vi a final do famoso festival da Record em que ganhou Ponteio.
Juro que não me lembro de esculturas que fazia com lápis. Lembro de uns desenhos que fiz de Jesus Cristo, umas pinturas para botar na porta da Igreja e também de um Natal em que montei um big cenário para emoldurar o presépio.
Fiquei contente por você ter escrito. Neste blogue tem o meu e-mail que é liberatinews@gmail.com
Me escreva, é sempre bom reencontrar os amigos.
grande abraço