Meu Mundo Caiu

Minha vizinha chavista apareceu hoje em casa , para variar, de supetão:
Eu, que tinha entrado numa overdose de Veuve Clicquot desde o final do ano, fui acordado pela delicada mão de minha mulher, que teve de interromper suas orações matinais para a paz na terra , a fim de atender a minha telecrítica favorita.
- Meu amor, "ela" está na sala. (Compreendam esse "ela" aspeado como uma entonação especial que minha mulher dá à palavra de forma a indicar o elemento avançado chavista acampado no meu sofá)
Entrei no chuveiro quase de roupa e tudo e de calção de banho, ainda me enxugando, encarei a fera: - Como foi de virada? Perguntei , para iniciar os trabalhos.
- Foi demais, rum e charutos cubanos, bolinhos de bacalhau, música do Caribe a noite toda e, no meio de tudo isso, trechos dos discursos do presidente Chávez (gravados em CD) que um companheiro venezuelano trouxe de presente. Os nossos amigos brizolistas (da pracinha do dominó) compareceram com suas bombachas, chimarrão e tudo ...foi dez! Melhor, foi mil barbaridade che!
Logo em seguida me perguntou na bucha.
- Que você está achando do final da novela "A Favorita"?
Eu disse que sentia muito mas tinha feito uma promessa de não ver mais novela e que ultimamente só deixava a TV ligada na novela no muting porque depois vinha a minissérie "Maysa" que está um primor...(e ela nem me deixou terminar a frase)
-Pois é, menino, e a Globo até que enfim fez alguma coisa que presta, nesse ano. E mesmo assim, marcaram bobeira - o Maneco (ela fala de celebridades com a maior intimidade, ou usando o primeiro nome, ou o apelido - o que é pior) bem que quis 16 capítulos, mas a "direção" disse que era muito e mandou cortar para 9 . Conclusão: se ferraram! A minissérie está bombando, dando o maior Ibope, fazendo um tremendo "su"! (ela agora se refera a sucesso com essa abreviação).
O Jayminho (lei-se Jayme Monjardim) é muito competente também, só não entendi porque não creditaram o cara que ralou para escrever aquela biografia brilhante dela,Maysa -só Numa Multidão de Amores do tal do Lira Neto. (Eu completei)
- É, isso de creditar é comum nos filmes estrangeiros - o cara bota lá antes do diretor:" baseado no romance tal" ...mas nesse caso da Globo, deve ter sido um vacilo, uma coisa não intencional...o Manoel Carlos é um cara decente ...tentei consertar. Ela me cortou com uma raquetada verbal:
- Isso é coisa da "direção da casa". Mas as coisas vão mudar quando eu e meus companheiros da pracinha (leia-se os velhinhos brizolistas que jogam dominó numa praça aqui em Laranjeiras- uma espécie de politiburo de bermudas) tomarmos a Globo . Vamos transformar a emissora numa produtora de novelas full time para abastecer o mercado do Caribe e levar um pouco de alegria para nossos companheiros cubanos. Além disso vamos mexer no mercado de trabalho do pessoal da ficcão. Vai ter emprego sobrando para todos os milhares de escritores que passam fome nesse país tentando escrever "o grande romance brasileiro". E tome minissérie biografica: - vamos fazer: Elis, Tonico e Tinoco, Adoniram Brabosa, Renato Russo, Chacrinha, Mamonas Assassinas, Simonal, João Gilberto, Tim Maia , Nelson Ned e vai por aí. Tenho até um projeto temático, como os anos da Bossa, que aliás já deveria ter sido feito por ocasião das comemorações dos 50 anos do Chega de Saudade - enfim um resgate da nossa brasilidade, multiforme, multiracial, multitudo....Falando nisso, me serve um uísque aí - tem um cigarro?
Perguntei : - Desde quando a senhora começou a beber uísque e a fumar?
Depois de "Maysa" - descobri que sou uma mulher que também ama demais, faz tudo demais, que curto uma fossa...(ela continuou falando, falando, falando...)
E Foi aí que percebi que meu mundo havia caído ali no sofá da minha sala. (Minha vizinha não tem stop no controle remoto dela) Nem deu tempo de contar que alguns jovens que hoje tem a idade média girando em torno de 30 anos nunca ouviram falar de Maysa, o que acho um crime contra a cultura nacional - conhecem a banda mais obscura inglesa, mas não sabem nada sobre o passado recente da nossa música. Que venham logo novas minisséries biográficas - desta forma a história cultural desse país não vai para o brejo definitivamente. Mesmo que seja na versão Global, alguma coisa vai ficar.
Nota da Redação: Minha vizinha chavista, muito apressada (como sempre), se enganou, a Globo creditou a biografia de Lira Neto quando desce o pano de cada capítulo. Parabéns, pela honestidade intelectual!