20.5.09

Conto da Tinê


Conto para a ilustração de uma crônica perdida
Para Bruno
Estamos em maio. O artista encontrou e publicou há pouco o desenho do que ele julga ser uma carnavalesca fora de época. Talvez ele a tivesse criado para um desfile de moda retrô, um show de rock’n roll, um croqui para quem debutou num salão temático, ou ilustrou texto da própria lavra e o perdeu; se dele não foi, o autor sumiu junto com o original.
O fato é que permaneceu a moça vestida de vermelho. Sigo na linguagem do traço daquela que nem com esforço de imaginação faz lembrar Julia Roberts em “A Dama de Vermelho”. Recrio o ser congelado no tempo dividido no espaço. A ilustrada parece indecisa: uma parte dela acena para frente, outra parte sai de fininho, feito siri. Será travesti? A situação recorda o poema da casa que não tem parede, porta, janela, ou os óculos sem lentes e armação, no entanto continuam a ser uma casa e uns óculos para o poeta.
Será que o artista armou a colombina no mês das mães, das noivas, dos floristas, da concepção dos novos “juninhos” (que, somados nove meses, nascerão em pleno carnaval do próximo ano) na esperança de uma voz indicar o paradeiro da página sumida?
Olho de novo para o desenho: ela desejava loucamente partir; ela foi para a estação de trem, não viu-ouviu trilhos, dormentes, apitos; quando percebeu o fim de carreira da locomotiva, ela quis espantar a tristeza com um picolé de cereja que escorreu vermelho na roupa até ela se partir em duas: a que olha na direção do trem que nunca chega e a que vê na direção oposta o trem virar na curva pela última vez, para sempre uma crônica perdida. A bipartida segura a máscara como um lencinho de adeus à fantasia do artista!
Mas a nova estória não termina aí. A poesia levou uma curva sob as rodas de uma outra percepção. Não é uma. Não são duas nem três carnavalescas – o artista deu um corte na cena das meninas sindicalizadas em passeata na avenida. “Madame” Patativa da Filó, uma ex-cafetina octogenária, marcou presença ao empunhar o cartaz “A crise também nos atingiu”.
Tinê Soares – 18/maio/2009

5 comentários:

LIBERATI disse...

Querida Tinê, só quero dizer aqui que me senti muito honrado. É a primeira vez, eu acho, que se escreve um texto para uma ilustração que eu fiz. Fiquei muito contente,ganhei meu mês
bjs

TS disse...

Contente por ti. Beijos.

sizenando disse...

de delicadeza em delicadeza, vocês fizeram duas belezas.

para-béns.

Ed disse...

como sempre, seu olhar sobre o mundo, sobre as imagens, sobre o que a cerca, lhe inspira comentários, crônicas e sim, até contos, inspirados e que nos desperta muitos outros olhares. Aliás, preciso de v. :) Vou lhe enviar um email solicitando exatamente isso: seu olhar sobre uma tela... Beijão.

Anônimo disse...

Gostei da criação em parceria em processo invertido, primeiro a ilustração, depois o texto, ainda que haja um original que, por certo, deve ser diferente da versão presente.
Mas, Tine, acho que voce pegou a maria-fumaça errada quando se refere a Julia Roberts: ela é perfeita para a analogia, porem no filme "Uma Linda Mulher"; a Dama de Vermelho foi interpretada por uma tal Charlotte, se encaixa no tema pela cor. Na revisão, adicione um "e" entre as duas.

Já o final, você desceu do pitoresco trem e pegou um Expresso para Estocolmo: sindicato?
Associação, talvez.

Seu lado B exlcuiu as crianças, podia ser um desfile infantil... ainda assim valeria a gestalt da imagem, um segmento de uma ala de muitas fantasiadas.
Parabens a ambos.
M.R.L.