27.1.10

Dica do Gerdal: Márcio Faraco em única apresentação nesta quarta no Rio - santo de casa milagreiro em Paris


  
"Jogando uma pedra no espelho/não vou deixar de ser o que sou/um violeiro é um violeiro/ e o baião não é rock`n`roll."
 


 
        Diz o provérbio que santo de casa não faz milagre, o que remete, no campo da música popular, ao artista que, embora virtuoso, não consegue no próprio país de origem reconhecimento à altura do seu mérito. Naturalmente, isso não ocorre sempre, mas, na história da MPB, os finados guitarristas Bola Sete e Laurindo de Almeida e a atuante Rosa Passos, entre outros, são exemplos que dão sustentação ao dito popular, logrando aplauso mais frequente e, por vezes, mais caloroso no exterior do que no Brasil. "Milagreiro" na França e, por extensão, em outros pontos da Europa - residindo em Paris desde 1991 -, o alegretense Márcio Faraco, compositor de sensibilidade e estro apurados, faz - o que é uma pena - uma única apresentação no Rio de Janeiro, nesta quarta, 27 de janeiro, no Cinémathèque, em Botafogo, às 21h, em duo com o ótimo violonista Daniel Santiago (foto acima). Sobrinho de um contista premiado, Sérgio Faraco, e ainda conterrâneo, por exemplo, de Mário Quintana e João Saldanha, Márcio Faraco lança aqui o seu mais recente CD, "Um Rio", que no ano passado comprei numa megaloja de produtos culturais da Av. Champs-Élysées, juntamente com outro dele, igualmente sedutor, "Com Tradição", do qual extraí os versos acima - do eletrizante baião "Chuva de Vidro" -, torcendo para que seja, quem sabe pela Biscoito Fino, distribuído no Brasil, como ocorreu com um CD mais intimista, "Interior", de 2003.
        Hábil no jogo de contrastes em suas letras não raro descritivas, também no cerzido lírico e metafórico de cenários em que algum tipo de frustração, assombro ou insuficiência está presente, como nas envolventes "Ciranda" ("eu vi uma luz no fim do túnel/enchi de esperança o coração/a luz que lá estava foi chegando/era um trem carregado de ilusão..."), cantada em duo com Chico Buarque, "Efêmera" e "Sumidouro", o inteligente Márcio é ainda afiado na crítica sociopolítica, como em "Vida ou Game", "Kanoê" ou em "Sarapatel Humano" ("enquanto o menino come calango, erva daninha/o governo troca voto/por um quilo de farinha/sarapatel humano/feito do sangue da gente/entra ano, sai ano/só muda de presidente/muda também o menino/que morreu no esquecimento/assim como este lamento/nem vai ser considerado/aqui nada se mexe/nem notícia do passado/o futuro é muito longe/e o presente tão atrasado..."). Bom de violão (aprimorado, na Brasília de sua adolescência, como o de Daniel Santiago, pelas lições do "sui-generis" mestre autodidata Gamela), o seu recado é dado com a fala mansa que o caracteriza, irmanada aos arranjos estimulantes que cria, especialmente quando servidos do suingue bossa-novista de "No Balanço do Mar" e, curiosamente, de uma canção do repertório da dramática Édith Piaf, "À Quoi Ça Sert L`Amour", estas duas entre as faixas do CD que divulga desta vez no Rio. Entre outros destaques desse disco, podem-se apontar, por exemplo, a participação especial de Mílton Nascimento em "Cidade Miniatura", de Márcio Faraco, e a parceria revelada deste com Baden Powell em "Berceuse", dois registros de introspecção e encantamento. Mirando-se no espelho da carreira, a refletir, no seu caso, com nitidez, uma imagem inquebrável de artista, Márcio Faraco, apesar das portas fechadas ao seu talento por aqui, sabe que um violeiro é um violeiro aonde quer que vá, esteja onde estiver. E é essa a verdade maior, a da autenticidade, que conta no que produz e no que canta, da qual resulta essa música tão relevante, tão bem moldada, que, como não poderia deixar de ser, mesmo a longa distância, faz parte "do ouro do povo do Brasil".
      

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