14.2.10

Conto de Carnaval : E aí, animada?



(Um conto de Carnaval da minha querida amiga Regina Zappa)

Duas da tarde, sol a pino, uma preguiça de dar gosto. Este ano ela demorou a entrar no clima. Parecia um domingo qualquer, sem vestígios da folia que se anunciava generosa da janela do conjugado, onde vivia. Lá embaixo, na rua, os primeiros foliões seguiam apressados, represando a euforia que iria se derramar na segunda cerveja, perto dali, num bloco qualquer. Divertido olhar a rua. Dava uma sensação de coisa que está para acontecer.
Este ano o carnaval ia ser da pesada. Tinha um pressentimento. Era o ano da serpente, seu ano. Além disso, o horóscopo de fevereiro prometia para os librianos do segundo decanato muitas alegrias no amor e surpresas no final do mês. E este ano, o carnaval caía no dia 20. Saiu da janela e foi guardar o alicate, a tesoura e a toalhinha onde limpava as unhas e jogava as cutículas das clientes. Jogou tudo dentro da gaveta, por cima do guarda-pó branco e dos esmaltes coloridos. Não, não receberia mais ninguém. Hoje não queria nem pensar em trabalho.
Ligou o ventilador bege, meio enferrujado, que ficava na mesa de cabeceira. É, o calor ia aumentar. Tirou da geladeira uma das três cervejas que tinha comprado na véspera e botou no congelador. Tinha também uma garrafa de vodca. Sobrou do Natal na casa da cunhada. Foi o presente que ganhou do amigo oculto, mas tinha resolvido na mesma noite que só abriria no Carnaval. Ligou a televisão para ir esquentando. Ouvia a voz dos repórteres, que ora descreviam fantasias hilárias de carnavalescos que se divertiam solitários ou em grupos pelo centro da cidade, ora mostravam a preparação para o desfile do Grupo Especial das escolas de samba.
De costas para a TV e com uma vontade ainda contida de mexer o corpo, sambar, rebolar mesmo, ela abriu o armário para escolher a fantasia. Desta vez, sem pudores. Ia botar uma roupa que mostrasse aquele corpão que ela não tinha. A batucada entrava ainda distante pela janela e mais perto pela televisão. Escolheu um shortinho de látex vermelho que só usava em casa, e uma blusinha branca, sem manga, enrolada na barriga e amarrada debaixo do peito. Sem sutiã. Olhou-se no espelho, empinou a bunda e suspendeu ainda mais o micro shortinho atrás. Queria mostrar tudo. Huuum, bem Salgueiro!
Já eram quatro da tarde quando acabou de se pintar – muito azul no olho e vermelho na boca. A televisão agora mostrava blocos e Carnaval de rua em todo o Brasil. Com um requebrado discreto ela foi até a cozinha, tomou dois dedos de vodca e abriu a cerveja. Encheu o copo de espuma e sentou-se na cama, procurando acertar o canal que mostrasse mais animação. Sacudia os ombros e virava a cabeça para lá e para cá. Depois da segunda vodca, não se conteve. Dançava solta no meio do apartamento, rebolava, cantava. De tempos em tempos corria até a janela para ver o movimento. Numa dessas vezes, o frio embolou na sua barriga quando escutou de longe a batucada do melhor bloco de Copacabana que ia passar bem ali na sua frente.
A batucada foi chegando, cada vez mais forte, entrando pela janela, abraçando sua cama, possuindo o ventilador, seduzindo a geladeira e a televisão. Ela jogava beijos da janela, requebrava com toda força, pulava e agitava os braços. Lembrou do confete ainda a tempo de jogar janela afora e tocou o bloco com a outra ponta da serpentina. Ah, a folia, enfim... Correu, abriu outra cerveja que já suava antes mesmo de sair do congelador. Saudava seus companheiros de alegria com o copo na mão e dava gritinhos cada vez que recebia de volta um beijo. Ah, Carnaval...
O bloco foi se afastando. Ela virou-se para a TV e botou o som na maior altura. Agora era frevo que comia solto em Olinda. Todo mundo pulando junto. Uma loucura! Ria alto e tentava acompanhar os passos com um guarda-chuva velho que saltou de um canto da sala. O tempo ia passando feito uma flecha colorida.
A noite trouxe para seu quarto os bailes de gala. Travestis, mulheres seminuas, homens suados e lindos. Com a garrafa de vodca pela metade, o chão salpicado de confete e tocos de serpentina, ela rolava na cama cantando baixinho as marchinhas de Carnaval que conhecia e as que não conhecia. Um borrão de imagens divertidas ainda prendia sua atenção quando olhou a hora – três da manhã!
Cansada, tonta de tanta folia, pulou da cama e foi jogar uma água no rosto. Precisava dormir agora, descansar. Amanhã tem mais.

2 comentários:

Romildo Guerrante disse...

Cansa pra cacete essa folia na tV, né Regina? he he he

オテモヤン disse...
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