15.2.10

Variações Sinatra


O Sonhado Show
Sabe aquela anedota que fala da relação entre o carioca e o Sinatra?
Você já deve saber, mas tem muita gente que não sabe, então vou contá-la e juro que tentarei resumí-la o máximo possível.
Dizem que o carioca, muito antigamente- tinha um caráter danado e esta narrativa mostra na prática, como funciona essa particularidade que habitava o nativo do Rio de Janeiro.
Existiu uma época - quando Sinatra estava no auge e o Brasil além de dizer: -Que pena que a televisão não seja a cores - suspirava e alimentava a grande expectativa de que Sinatra viesse fazer um show no Brasil. Diz a fantasia desse pequeno conto popularesco, que depois de muito batalhar, os fãs conseguiram demover o "blue eyes" de seu trono móvel - entre Las Vegas e Nova York e um dia Sinatra resolveu:
- Vou cantar no Brasil.
O palco, é claro, foi o Rio de Janeiro - que era uma cidade maravilhosa , onde havia paz no morro e no asfalto e a atividade econômica não havia sido comprada ainda pelos novos bandeirantes.
Tudo arranjado, o show de Sinatra no Maracanã aconteceu de forma sensacional : lotação esgotada - lágrimas de felicidade enquanto ele cantava todo o seu repertório maravilhoso. Só para se ter uma idéia da grandiosidade do evento, o bis demorou mais de uma hora. Os jornais, as rádios, as TVs em preto e branco (o que fazer?) ficaram meses curtindo esse momento maravilhoso. Sinatra não só cantou. Foi ao morro , jogou no bicho, pegou o trem da Central, visitou a Quinta da Boa Vista, inaugurou escola no subúrbio, desfilou na Rio Branco, mergulhou na princesinha do mar, deu um cocktail na pérgula do Copa. As colunas sociais deitaram e rolaram: era Sinatra para todo lado.
Dois anos se passaram depois desse fuzuê e Sinatra com saudades do calor humano dos cariocas, resolveu voltar ao Rio para um novo show.
Desceu do seu avião particular, pegou a limousine que o esperava no aeroporto e depois de tomar um uísque com muito gelo no Hotel, resolveu dar uma volta pelo bairro com seus guarda-costas.
Saiu andando tranquilamente pelas ruas de Copacabana, e achou estranho que ninguém o havia notado ainda - mesmo com o destaque de seu descabido terno naquele calor de 40 graus (apesar de estar sem gravata) e da movimentação ostensiva de sua equipe de segurança. Foi aí que alguém ouviu um carioca dizer para o outro quando os dois perceberam de longe, o cantor avançando com um sorriso aberto para eles:
- Meu irmão, vamos mudar de calçada que lá vem aquele chato do Sinatra!
Afirmam os cronistas que naquele tempo a coisa era assim. Celebridade aqui não tinha vez, se tinha era uma só e depois virava um ser incômodo, uma coisa que deveria ser evitada.

O karaokê do filipino doido
Tenho a maior curiosidade de conhecer de perto as Filipinas, esse fabuloso arquipélago que têm cerca de 7107 ilhas. Na verdade são vários os motivos que me levam a ter um certo fascínio por essa república peculiar . Talvez por uma obtusidade etnocêntrica, não consegui, por muito tempo entender bem, um lugar neste planetinha azul, que tinha uma população com traços acentuadamente orientais e falava uma mistura de espanhol com inglês. Outra coisa que não entendia era a força de um movimento muçulmando no interior de um povo majoritariamente católico.
A Wikipédia me explicou tudo.
Disse que no século XIV houve uma corrente migratória que trouxe o reino madjapahit e introduziu os ensinamentos de Maomé na região. Só que logo a seguir, no século XVI o arquipélago foi "descoberto" pelo Ocidente, levado pelas mãos precisas do navegador português Fernão Magalhães que nessa época trabalhava para a Espanha. Os espanhóis, a partir de 1571 ficaram no poder por trezentos anos. Depois rolou uma luta pela independência e para não fugir à moda do século, uma revolução. Mas, coisa curiosíssima, em 1898 os Estados Unidos "adquiriram" as Filipinas, não sei em qual tipo de negociação.Segundo Santa Barbara Tchuman( *) essa interferência (que durou 48 anos) é o começo da expansão norte-americana à qual se junta a participação na guerra de libertação de Cuba ao lado dos rebeldes patriotas chamados mambizes e depois tomando o poder por 4 anos e mais a anexação do Hawaii. É do imperialismo americano, na fase embrionária, defendido pelos Democratas, porque os Republicanos queriam mesmo é a consolidação do poder no território americano (entre muros) tomado dos índios e acho também arrancado dos mexicanos - a ensoladara Califórnia Dreams em 1848. O que importa é que numa dessas pelejas pela independência dos filipinos contra a Espanha - surgiu uma figura de nome interessante - um guerrilheiro chamado Aguinaldo. Posso dizer que minha atração pelas Filipinas aumentou, depois que soube da resistência heróica de Aguinaldo. Até então, os Aguinaldos, para mim, eram cantores ou escreviam novelas - nunca os imaginei metidos em guerra de guerrilhas, lutando bravamente nas selvas das Filipinas no final do século XIX, muito tempo antes de virarem cenário para filmes de guerra do Vietnam, como em Apocalypse Now.
Mas minha curiosidade se misturou ao espanto que foi marcado por aquele ritiual de autoflalgelação pública que alguns fiéis executavam por ocasião da Semana Santa, tendo como apoteose a crucificação, de verdade, de um cidadão fanático, que se oferece para ser o Cristo da vez. Cravos a furar carnes - as mãos e os pés pregados na cruz, e aquela triste figura de crucificado de filme de quinta sendo levantado no meio da multidão em transe, o sangue jorrando pelas chagas...Durante muitos anos, assisti a esse espetáculo bárbaro na TV. Acho que nesse samba do filipino doido isso se misturou com a exótica figura da belíssima Imelda Marcos(nos seus bons tempos, por supuesto, off course e otras cositas más) com sua famosa coleção de milhares de sapatos. A biografia dessa mulher daria (se é que não deu) um romance de realismo fantástico digno de um García Márquez: nascida Imelda Remedios Visitación Romuáldez Trinidad, consquistou o título de miss Manila nos anos 50 e o coração do esperto político Ferdinand Marcos, com quem casou em 1954.
Mais tarde, com a eleição de seu marido para presidir o país, se transformou quase que numa rainha, por mais de 20 anos ( entre 1965 e 1986). Durante seu longo governo, Marcos enfrentou uma oposição no mínimo surrealista - uma guerrilha maoísta e um movimento separatista muçulmano. A família Marcos, enfim, creio que meio exausta de tanto exercer o poder, saiu da História para curtir a vida no Hawaí, isso apesar de ter vencido as eleições de 1986- dizem as más línguas que na base da fraude.
E eis que agora em pleno século XXI , leio uma notícia que relaciona o nosso "querido chato" Sinatra da primeira história com a minha fascinante República Filipina e me espanta ainda mais. É que numa série de assassinatos , pelos menos 6 calouros pararam definitivamente de cantar a música "My Way" nos karaokês do arquipélago . A coisa chegou a tal ponto que o grande sucesso de Frank Sinatra chegou a ser retirado das casas noturnas que oferecem esse tipo de entretenimento interativo. A coisa acontecia mais ou menos assim: o cara se entusiasmava com a letra da música, que fala da superação diante dos problemas por parte de homens de meia idade, o que enche de coragem o "cantor" que se encontra geralmente mamado", o que o faz exagerar no dueto que comete ao acompanhar Sinatra. Daí, um engraçadinho faz uma piada , ou um mais mamado se aborrece com o alarido, e o pau come na casa de Noca. Esta foi a conclusão de um expert da Universidade local em questões envolvendo a cultura popular. As más línguas dizem que isso é coisa de pobre. Em todo caso, evite mais uma vez o Sinatra, não por que ele é o chato da anedota carioca, mas porque você pode se tornar um, e com grande probabilidade de virar um chato abatido a balas .
(*)Do livro A Torre do Orgulho - Um retrato do mundo antes da Grande Guerra (1890-1914) da escritora, mistura de historiadora e jornalista , Barbara W. Tuchman

4 comentários:

Anônimo disse...

Adorei!
maravilhoso o texto do Sinatra, muito criativo!
Parabéns!

LIBERATI disse...

Obrigadão meu caro anônimo, volte sempre,
abraços

ze disse...

é tanta ilha, tantas ilhas , um oceano de ilhas, que o mar batendo nelas cria muita espuma, brancas espumas. daí o mar de leite, branco como as espumas do mar. leite batido. e no caso aqui, o que sai é cristão, Aguinaldo no caldo.

LIBERATI disse...

Tirada sensacional Zé! Quem diria que o Sinatra iria causar tanta confusão. Este mundo está perdido!
abraços