
Uma mulher e um homem no palco - luz sobre eles, o resto é penumbra
Mulher (no chão , caracterizada como mendiga, com um cobertor cinza sobre os ombros)
- Como chegamos até aqui?
Homem - Pagando impostos, ora! Pelo menos é o que me parece.
Mulher- Eu não paguei nada, não tenho um tostão furado. He He He...
Homem- A senhora é um exemplo de que a sociedade capitalista não deu certo.
Mulher- O senhor tem razão, me dá um dinheiro para eu comprar um pão?
Homem- Não, a senhora vai comprar bebida, solvente, crack, essas drogas de pobre!
Mulher- Não, meu senhor, eu falo sério, estou com fome, meu estômago ronca, parece uma cuíca, he he he...
Homem- Desculpe , mas é contra os meus princípios dar esmolas.
Mulher- Não é esmola, é um empréstimo...não é assim o ditado: - quem dá aos pobres, empresta a Deus?
Homem- Sou ateu!
Mulher- O que é ser ateu?
Homem- É não acreditar em Deus.
Mulher- Xi, é ruim, hein! Desse mato não sai cachorro. Mas pense uma coisa, o senhor não dá esmolas pois pensa que sou mendiga, porque pensa que sou marginal, que vou me drogar...mas se eu disser que sou ...bem, deixe para lá...
Homem- (mostrando algum interesse) - Agora fiquei curioso, conte sua história...
Mulher- Não, o senhor não compreenderia. Está frio, pelo menos conte o senhor, uma história para que eu possa dormir...faz muito tempo eu tive uma mãe que me contava histórias para dormir...
Homem- Era uma vez ...em algum rincão do universo cintilante que se derrama em um sem número de sistemas solares, havia um astro, em que animais inteligentes inventaram o conhecimento. Foi um minuto soberboe mais mentiroso da "história universal": mas também foi somente um minuto. Passados poucos fôlegos da natureza congelou-se o astro, e os animais inteligentes tiveram de morrer..."
Mulher- Mas isso é Nietzsche, "Sobre a verdade e a mentira no sentido extra-moral" de 1873!
Homem- Como ousa, a senhora, uma maltrapilha, uma pedinte entender de Nietzsche?
Mulher- A ficção me permite isso. Sou agora uma maltrapilha, ontem fui uma doutoranda, amanhã serei a morta que ressuscitou. Vivo como o "Vigarista" de Melville...(digo The confidence-man)...
Homem- Tome o dinheiro!
Mulher- O que? Está me dando uma esmola?
Homem- Não, estou pagando o ingresso.
( Fecha o pano - Na platéia ouvem-se aplausos e vaias!)
Ao abrir o pano para os agradecimentos, a mulher vem vestida de homem e o homem vestido de mulher- mendiga
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