30.11.10

Saudades de Mario Monicelli


Um momento do filme Os Companheiros (I compagni) ficou retido lá fundo do baú da minha memória e retornou hoje com a notícia triste da morte de Mario Monicelli, diretor de filmes antológicos , entre eles esse clássico dos anos 60. Não é um filme panfletário, mas um documento precioso sobre as históricas lutas operárias do século passado.
Marcello Mastroianni, na pele do Professor Sinigaglia (que também é um ativista político comunista, uma espécie de intelectual orgânico) está num trem a caminho de uma cidade onde estão ocorrendo graves conflitos sociais, especialmente entre operários e patrões e policiais de uma grande fábrica. Conflitos que parecem estar à beira da explosão e desembocarão fatalmente numa greve. Isso acontece no início da Industrialização na Itália quando a exploração do trabalhador era de uma brutalidade sem par ( O filme mostra homens jovens e velhos, mulheres e crianças vivendo o cotidiano de um verdadeiro inferno no chão da fábrica).
Mas vamos à cena que eu guardo ainda hoje na memória : Quando o trem se aproxima de uma estação e diminui sua velocidade - quase parando, surge a oportunidade do Professor Sinigaglia tentar saber em que trecho do caminho ele se encontra. Bota a cabeça para fora da janela e pergunta a um homem que está na estação: Che paese è questo? E o homem responde, com um ar de ironia:
-Un paese de merda!
É bom que se ressalte, que "paese" na Itália quer dizer "região", tem o significado de local, no caso se refere à cidade, ou aldeia. A Itália , como todo mundo está careca de saber teve uma unificação difícil, a custa de guerras, pois seu território abrigava um conjunto heterogêneo de regiões com regimes políticos diferentes - cidades-estado desde principados até sereníssimas repúblicas. O filme Os Companheiros é de 1963 e foi indicado para o Oscar de 1965.
Esse pequeno diálogo que recontei do filme ( não me lembro exatamente se foi assim) dá bem a idéia de como era esse gigantesco cineasta que hoje se matou hoje aos 95 anos. Irônico, construiu seu cinema em meados dos anos 30. A veia irônica que o acompanhou até o fim, mesmo na sua fase das comédias -(ele é injustamente visto por certo setor da mídia apenas como um dos grandes realizadores da chamada comédia italiana) . Porém sua abordagem dos personagens "cômicos" não era do riso pelo riso, mas captava oculta a dimensão trágica desses homens. Seu filme mais famoso talvez seja L'armata Brancaleone , aqui traduzido como O incrível exército de Brancaleone. Ah, tem também La Mortadella com Sophia Loren que chegou até a passar na TV.
Selecionei no Youtube um trecho do filme Os companheiros que mostra Sinigaglia discursando para os operários de uma fábrica de Turim.
Escrever sobre a obra de Monicelli é tarefa para um grupo de escribas e ocuparia vários volumes de uma verdadeira enciclopédia do fazer cinematográfico que atravessou o século passado e chegou até 2006, quando ele fez "Le rose del deserto". Ciao Monicelli, meu herói! Mas antes eu gostaria de fazer uma última pergunta:
Che paese è questo?

NR: Para você navegante que não conhece o trabalho Monicelli, sugiro que vá até uma locadora e pegue alguns filmes - comece por algumas comédias: procure Meus caros amigos (Amici miei) pegue o Caros amigos 1 e o Caros amigos 2.
Procure identificar qual dos episódios que ele fez em Os novos monstros (I nuovi mostri -obra cômica que ele dividiu com Dino Risi e Ettore Scola).
Outro filme cruel dele é Parente é Serpente (Parenti Serpenti). Claro que você deve ver o já citado "Incrível Exército de Brancaleone" e Brancaleone nas Cruzadas.
Nesta era do DVD não sei se teremos acesso à toda sua obra ,- creio que devem existir outros títulos à disposição.

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