29.12.10

O rato piou - que piada!



(Aqui vai minha croniqueta de fim de ano. Saiu "de prima" e não deu para ver direito a pontuação - vou retocando no andar da carruagem. Desejo um feliz ano novo para os meus queridos amigos nevegantes)

"O apocalipse tornou-se corriqueiro, de tão familiar que é como um contrafatual da vida cotidiana; e como todos os parâmetros de risco, ele pode tornar-se real".
(Anthony Giddens)

Vivi o último ano da minha infância num tempo em que havia uma inocência tecnológica básica, poderiam também chamá-la de tosca, rudimentar, bizarra, para dizer o mínimo. Eu estava saindo do último grau do curso primário e vivia ainda num mundo impregnado de magia. Os acontecimentos do mundo continham um certo mistério para mim. Uma década e meia me separava do fim da segunda Grande Guerra - quer dizer, da terrível mortandade do último conflito mundial, do horror do holocausto e das duas bombas que arrasaram Hiroxima e Nagasaki . E dizer que nessa época eu não tinha uma consciência muito clara destes acontecimentos terríveis.Sabia apenas que os "mocinhos" tinham ganhado dos "bandidos", a guerra vinha nos visitar em filmes que passavam na tela improvisada do cinema da Igreja.
Quer dizer, vivia feliz na minha santa ignorância no ano de 1959, enquanto o mundo se recuperava dos grandes abalos por que passara. Nos bastidores, sem o WikiLeaks, acontecia a guerra fria e as suas trapalhadas - uma bipolaridade de forças que manteve o equilíbrio mundial na base do terror de uma possível nova guerra, só que agora nuclear , que tranquilamente no melhor cenário, aniquilaria a possibilidade de vida no planeta. De um lado os EUA do Presidente Eisenhower ( e seu vice Richard Nixon) e do outro a URSS do premiê Nikita Khrushchov(ou Khrushchev).
O curioso é que já havia uma consciência do risco que envolvia essa fase da "modernidade". Apesar de estar completamente por fora do que significou a segunda Grande Guerra eu me recordo que pessoal do meu bairro, nesta época, não titubeava em atribuir qualquer coisa de ruim que acontecesse no mundo ao uso da bomba atômica. Juntavam num mesmo saco coisas que não tinham nenhuma relação entre si e tascavam: - Tudo isso por causa da bomba atômica! Meu pai e minha mãe acreditavam piamente nisso. E acho que eles tinham uma ponta de razão.
Se pensarmos bem, esse raciocínio elaborado por aquela gente simples que habitava minha vizinhança, até que era bastante "científico". A bomba atômica, de certa forma havia quebrado com toda noção de ordem natural que se tinha até então. Era parte conheciemento comum, de que o homem, para chegar a ela, havia mexido no núcleo da matéria e por mais que o pensamento "não perito", desconhecesse totalmente o processo - tinha a sensação que algo na natureza havia sido transgredido de forma brutal. Em suma: a bomba era uma "desnatureza". O medo que se tinha era de que isso tivesse alterado o equilíbrio da terra de forma irreversível. Portanto, a culpa de uma chuva mais violenta, de um terremoto, de uma nevasca sem precedentes, da erupção de um vulcão - enfim de uma catástrofe natural qualquer era da Bomba Atômica. (Hoje se fala de desequilíbrio ecológico com o mesmo sentido catastrófico daquele tempo). Mas parece que todos se acostumavam com a existência daquele risco nuclear,mas ele foi deixado de lado no baú dos nossos temores.
A vida seguia e esse tempo parecia sereno aqui no Brasil de JK onde se dizia : -" Pena que a televisão não seja a cores". E havia uma frustracão muito grande porque Frank Sinatra nunca se decidia a visitar este país ensolarado que possuia palmeiras onde se não cantava o velho blue eyes, pelo menos gorjeavam os sabiás de todos exílios.
O Rio dizem os cronistas era uma cidade tranquila, linda de morrer( continua sendo) e havia sempre uma praia encantada para se banhar, para se namorar e cantar um samba-canção ou assoviar uma coisa que um pessoal muito devagar construia nos apartamentos da zona sul: a bossa-nova. Mas o que tocava no rádio de todo o mundo, era mesmo Elvis Presley, o primeiro cantor globalizado (eu acho) que estava no auge da sua carreira, e que por razões pouco explicadas (depois foi se descobrir que era marketing) tinha se engajado nas tropas americanas que serviam na Alemanha Ocidental, onde já tinha atingido o posto de "Specialist 4" (não me perguntem o que vem a ser isto, mas sei que está pertinho da posição do Sargento). Enquanto isso, por aqui era gravado o grande sucesso "Meu Brasil brasileiro" de Ary Barroso e em algum lugar do planeta junk, William Borroughs publicava Naked Lunch . Alheio a este movimento cultural, o ditador Fulgencio Batista tratava de dar no pé - fugindo de Cuba, com medo de Fidel Castro e seus barbudinhos, que céleres, desciam de Sierra Maestra para tomar Havana. Nesse meio tempo Aleida March era seduzida pelo charme de Che Guevara, Chico Xavier se mudava para Uberaba, enquanto eram abençoados os sinos da Catedral da Sé, em São Paulo e Orfeu Negro ganhava a Palma de Ouro em Cannes, justamente quando morria o cineasta Cecil B. de Mille, responsável ultimamente por produções de dimensões bíblicas como Sansão e Dalila e Os Dez Mandamentos. (só o "efeito especial" da travessia do mar vermelho feito de gelatina já valia o ingresso).
Vamos parar por aqui, pois eu já me perdi. Outra hora eu conto mais coisas sobre o ano de 59 que na minha teoria, era apenas um "pit stop" para o que viria, ou melhor um ano que estava na beirinha de um vulcão que iria entrar em erupção na década seguinte( 60 -70) e constituiria a terceira (ou quarta) grande onda que iria convulsionar o mundo de forma a criar uma nova era. Nada seria como antes tão rapidamente, imagine somente que em 1960 surgiriam os Beatles, o resto você já sabe.
Mas o que me levou a esse samba sem pé nem cabeça? Ah, foi um nariz de cera que eu acabei moldando para dar um tempo para explicar porque tenho medo do futuro. Pois é, eu bem que achava que o excepcional filme de Ridley Scott - Blade Runner - O Caçador de Andróides (baseado numa história mais complexa escrita num livro de Philip Kindred Dick) era uma coisa do futuro distante. Achava que ele antecipava um dilema ético que iria pintar de qualquer maneira e superaria as questões da antropologia, isto é trataria de problemas éticos numa área cinzenta "humana-além da humanidade". Me explico melhor, nesse filme a questão central é a reivindicação dos "andróides" ou seja pelos seres "humanos manipulados geneticamente" de terem conhecimento do processo de como eles foram construídos para tentar aumentar sua expectativa de vida. Parece que eles eram programados para um uso de curta duração e queriam viver mais. Uns eram feitos para a guerra, outros para diversão e assim por diante. Ao mesmo tempo esses seres produzidos ( sintéticos?) procuravam sua identidade - já que a programação deles fora feita de memórias artificiais enxertadas no cérebro. É claro que uma coisa saiu fora de controle e que no fundo está o problema da liberdade, seja o sujeito legitimamente humano ou manipulado genéticamente. Mas o que importa agora é outra coisa : nesse filme aparece um "engenheiro genético" sinistro e solitário que diz que tinha facilidade para "fazer amigos" - que nos são apresentados num desfile de seres bizarros que o tal sujeito havia fabricado em seu laboratório. Isso acontece num apartamento sombrio de uma cidade onde cai uma interminável chuva ácida. A cena e até cômica, se não fosse trágica.
Acontece, meus amigos, que esse tempo chegou! Esse futuro está batendo nas nossas portas e parece que ninguém ainda se tocou. Espiem pelo olho mágico e verão uns cientistas japoneses sorridentes, pois acabaram de criar um camundongo que pia como se fosse um passarinho. Isso foi notícia em todo o mundo - deu até no Jornal Nacional . Eu pensei, pronto, chegou o tempo das doideiras! Daqui a pouco vão aparecer baratas na sua cozinha defendendo teses sobre Kafka, cães protestando por rações diet, árvores fazendo greve de oxigênio, clones autenticados dos Beatles se apresentando no Morumbi e oscambaus. Tenho medo do passado voltar nesse futuro maluco. Tenho medo de me deparar com um híbrido, por exemplo: um "Michael Jackson do Pandeiro". Tenho medo de um dia estar com 250 anos e participar da formatura de um alias meu , um menino igual àquele que fui no longínquo último ano do fim do meu curso primário (com o qual iniciei esta crônica). Tenho medo de que isso seja confundido com conservadorismo.
Eu hein!Parem o tempo que eu quero descer!
NR: A ilustração acima é uma "manipulação computadorizada do quadro "O medo" de Munch

2 comentários:

Maysa disse...

Querido Lib

Amei sua "croniqueta"!
Isso continua modesto, simpático, discreto, aprés Dilma, quem sabe será sua chance?
Voltando ao possível criativo, postei lá no Ninho:VOCÊ. Acompanhado pelo rato que pia é verdade!Vai lá!
http://oninhoeatempestade.blogspot.com/2010/12/querem-refletir-sobre-o-amanha.html

Um beijão de Fim de Ano e inté 2011
! Maysa

LIBERATI disse...

Querida amiga Maysa, fico todo prosa com sua generosidade de citar minha croniqueta no seu delicado e criativo blog. Fui lá e vi o "post", comovido te desejo em feliz ano novo, com muitas felicidades,inspirações e arte,
beijos,