8.8.11

Vassourinha: um pequeno notável do samba brejeiro e de boa ginga



Prezados amigos,

          Vítima de raro e obscuro mal que lhe fazia doer os ossos do corpo - até hoje não esclarecido, talvez uma poliomielite -, morreu em 3 de agosto de 1942, aos 19 anos, o sambista Vassourinha (foto acima). Um fenômeno em nossa música popular, pois em breves anos de carreira granjeou a estima nacional a partir de São Paulo, um estado até então artisticamente acanhado. Gravou doze músicas em seis 78-rotações da Columbia, depois reaproveitadas pela Continental em elepê póstumo. Levado ao disco por Antônio Almeida, seu passamento quase não foi notado num Brasil de consumo racionado, que entrava em guerra contra as forças do Eixo. Logo, ouvi-lo cantar "Amanhã Eu Volto", de Antônio Almeida e Roberto Martins, era certamente um doce pro limão da época.
          A bossa e as inflexões personalíssimas de Luís Barbosa muito impressionaram Vassourinha, que levou adiante o estilo sedutor do pioneiro. Aliás, do repertório de Luís Barbosa, também precocemente desaparecido, em 1938, aos 28 anos, Vassourinha gravaria "Seu Libório" ("link" abaixo), consagrando no disco o samba que o seu ídolo apenas entoara numa cena de "Alô, Alô, Carnaval", produção da Cinédia de 1936. Inspirados nessa cadência solta e brejeira do samba, que teria ainda em Cyro Monteiro e Dilermando Pinheiro duas vozes de destaque, Antônio Almeida e Ciro de Sousa compuseram "Juraci", choro talhado para o estilo de  Vassourinha, que também cortejaria a sétima arte em título "sintomático", "Fazendo Fita", produção paulista de 1935, ao lado de Alzirinha Camargo e da dupla sertaneja Alvarenga e Ranchinho. 
         Uma das mais gratas revelações da MPB de todos os tempos, o paulistano Vassourinha, nascido Mário Ramos de Oliveira em 16 de maio de 1923, alcançaria grande sucesso com "Emília", talvez a música mais característica de sua lida canora. Feito num daqueles anos de privação da Segunda Guerra Mundial, quando a nossa população já se queixava do cinto apertado, foi um dos primeiros sambas que enalteceram um tipo de mulher de que os varões antiquados têm saudade, "uma mulher que saiba lavar e cozinhar e, de manhã cedo, me acorde na hora de trabalhar.." Uma dona de casa diligente e tão apreciada, segundo o figurino conjugal recortado por Haroldo Lobo e Wilson Baptista, que sua ausência do lar, lamentada pelo marido no samba, o levaria a suspirar pelo "café saboroso que ela fazia ...", como se percebe na continuação, "Volta pra Casa, Emília", de Haroldo Lobo e Milton de Oliveira.
         Na mesma Barra Funda exaltada por Geraldo Filme como domicílio do samba, morava Vassourinha, que, aos 14 anos, começava a cavar o ganha-pão na Rádio Record, em São Paulo. Nessa época, Isaurinha Garcia, sua grande amiga, também cavava o dela, na mesma emissora. Idos da década de 30, quando ela e ele se apresentavam juntos no rádio e em funções circenses, revivendo, com os aplausos da plateia, os duos que Carmen Miranda formava, por exemplo, com Almirante ou Luís Barbosa. Fã do pequeno notável, Carmen sempre incluía Vassourinha entre os artistas convidados dos seus shows em São Paulo, uma honra para o ex-contínuo da Record cujo apelido talvez decorra das faxinas que fazia nos escritórios da PRB-8, antes da fama. Há quem afirme, entretanto, que o nome artístico advenha da maneira pela qual era conhecido um chofer de praça da capital paulista que, todo fim de noite, "varria" ébrios contumazes de um bar local, após a saideira, levando-os para casa.
          "Amanhã Tem Baile" (Haroldo Lobo- Milton de Oliveira); "Ela Vai à Feira" (Roberto Roberti-Almanyr Grego); "Chik, Chik, Bum" (Antônio Almeida); "Apaga a Vela" (Braguinha); "Olga" (Alberto Ribeiro-Sátiro de Melo); "Tá Gostoso" (Alberto Ribeiro-Antônio Almeida) e "E o Juiz Apitou" (Antônio Almeida-Wilson Baptista) são os registros que completam o espólio fonográfico do cantor. Baixinho, risonho, embora reservado quanto à família e às origens, desconversando sempre que isso vinha à baila, Vassourinha apresentou-se ainda, com brilho e garbo, no Rio de Janeiro, comparecendo várias vezes ao Café Nice para um bate-papo com os amigos. Infelizmente, à hora da morte, de nada lhe valeram as benzeduras maternas, o desvelo dos mais próximos e mesmo o cuidado médico, pois a doença já o consumia com avidez. A curta trajetória do artista, no entanto, bastou para influenciar outros tantos de seu meio. Que o dissesse o compositor baiano Oscar da Penha, conhecido como Batatinha, admirador confesso da obra de Vassourinha e outro bamba cujas cinzas também evocam sambas de boa ginga.
         Um bom dia a todos. Muito grato pela atenção.

         Um abraço,

         Gerdal 
          

            http://www.youtube.com/watch?v=AX5AEUd1p58
("Seu Libório")

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