15.7.15

Caricatura de Sylvia Plath

Da boca do forno: Caricatura de Sylvia Plath 1932-1963).
Hoje terei que ir mais devagar, digo, com delicadeza, pois o assunto é complicado, afinal trata-se de uma autora (poetisa, contista, novelista) que teve uma vida curta, tumultuada e um final triste, aos 30 anos de idade, cujos detalhes não cabe aqui repetir.
Agora só aumento minha dívida de leitura poética, mas no caso de Plath eu li, temeroso pela vida dela, seu livro "A redoma de Vidro" ("The Bell Jar", lançado na Inglaterra sob o pseudônimo de Victoria Lucas em 1963), publicado no Brasil pela Editora Globo, em 1991 (Tradução de Lya Luft, prefácio de Marília Pacheco Fiorillo ( a quem devo algumas informações e dicas preciosas) e ilustração de capa de Donna Muir).
O que torna esse livro assustador é que foi publicado exatamente um mês antes do suicídio de sua autora no inverno londrino.
Não sei nada de sua poesia - passei batido por "The Colossus and Other Poems", publicado em 1960 e elogiado entusiasticamente pelo seu professor (num curso de curta duração) o poeta Robert Lowell. Nada sei de seus "Collected Poems" que lhe garantiram um póstumo prêmio Pulittzer em 1982. Nunca li "Ariel", "Crossing the Waters" ou "Winter Trees". De suas "short stories "Johny Panic and the Bible of Dreams" eu nem passei perto. Nem de sua tese "The Magic Mirror", na qual analisa uma obsessão minha: "Os Irmãos Karamazov" de Dostoiévski, e segundo Fiorillo, desenvolve o tema do "duplo" que já havia estudado também em Poe e Hoffmann.(outra obsessão que cultivo)
Sua prefaciadora brasileira afirmou que considera Plath, praticamente como uma "autora póstuma" apesar de ter publicado seus primeiros poemas no começo da década de 60. (lutava desesperadamente para emplacar eseus escritos na Harper's, The Observer,The New Statesman e na prestigiada New Yorker - era rejeitada em editoras grandes que depois correram atrás do prejuízo quando ela se matou). Disse a esse respeito: …"converteu-se num daqueles casos de culto póstumo, em que a obra só conquista o direito de atenção graças ao último gesto trágico".
Triste quando ocorre um fenômeno desse, em que a biografia se apodera de forma tirânica da força de uma obra. Mas devo confessar que deve ser difícil se afastar da vida atormentada de uma autora como Sylvia Plath, linda de morrer e tão faminta de vida, apesar de sua excelência literária quando toda a sua obra está impregnada de gritantes detalhes autobiográficos e desgraças.

De "A redoma de vidro" guardo a mesma impressão de certos críticos que o viram como uma espécie de "Apanhador no Campo de Centeio" feminino. Só que muito mais barra pesada. ( É bom lembrar que J.D. Salinger é um dos autores preferidos dela , ao lado de Virginia Woolf- coquetel perigoso!).
Existem de fato coincidências nas trajetórias de Holden Caulfield e da personagem Esther Greenwood ( alter-ego de Sylvia em "A redoma de vidro"- o sobrenome acho que era do registro de solteira da avó dela). No entanto, o desencanto de Caulfield é café pequeno diante da delirante suicida Esther. Há uma sensação de perigo iminente que a ameaça ( coisa que foi notada pelo inglês A. Alvarez em "Deus Selvagem - um estudo sobre o suicídio").
Dizem que o tema da "morte" e a "desagregação" estão presentes em quase tudo que escreveu. No entanto, creio que uma interpretação apenas psicológica da obra de Sylvia Plath reduz demais a compreensão de sua obra. Acredito que uma atitude correta diante de Sylvia Plath deveria partir de uma posição de não encará-la como uma coitadinha. Foi uma moça de classe-média que ascendeu social e culturalmente e com muita garra ela escreveu…escreveu… escreveu, muitas vezes de forma obsessiva, uma poesia tida como "confessional" ( e sua prosa também atravessada de suas intimidares) surfando nos altos e baixos das marés de depressão e uma euforia que a equilibrava e a levava para um outro espaço - de uma escrita paralela à sua história familiar complicada (ódio que tinha do pai, problemas com a mãe), não muito longe das traições, da separação conjugal, da internação psiquiátrica com terapia de eletrochoque e oscambaus…

Curiosamente seus biógrafos notaram que havia uma grande vontade de alcançar um tipo especial de fama, aquela notoriedade do "pop-star", por isso a citação frequente de Marilyn Monroe em seus escritos (uma baita identificação) Teve gente que a acusou de arrastar seu bem estabelecido marido Edward James Hughes (conhecido nos meios literários como Ted Hughes /1930-1998- poeta e autor de livros infantis) por caminhos tortuosos à procura de uma notoriedade do mundo da indústria do estrelato (da moda, dos fashionistas - um Olimpo sob neon, que lá no norte é chamado de "star system"- da mesma forma como Monroe procurou se escorar na figura de Arthur Miller para brilhar nos meios intelectuais desse "mundo feito de maldade e ilusão".
Não se pode deixar de falar sobre o tremendo "karma" que pairou sobre essas relações conjugais e essa família.
Hughes enquanto Sylvia dourava a pílula de seu suicídio, vivia um tórrido caso amoroso com uma alemã de nome Assia Wevill, que já estava em seu terceiro casamento.
Isso aqui já está virando fofoca, cáspite! Em todo caso temos que ir em frente: Assia (também linda de morrer) tinha uma história um pouco diferente de Sylvia, mas do mesmo modo complicada no seu passado: era uma refugiada, uma sobrevivente filha de pai judeu russo e mãe alemã. Ela ainda criança teve que fugir da Alemanha por causa da besta nazista. Viveu um tempo na Palestina com seus pais. Lá não se deram bem, e tentaram arrumar um casamento da bela filha para conseguir um passaporte e sair rapidinho dali. Conseguiram se transferir para Londres, de um modo que não sacrificou o destino da moça, mas essa é outra história.

Ocorre que a bela Assia foi considerada pelas fofoqueiras de plantão como o pivô da separação de Plath e Hughes. Ele viveu com ela uma espécie de casamento meio esquisito e passados três anos do suicídio de Sylvia, o tal do "karma" se fez presente com seu manto trágico na vida desse contador de histórias infantis. Hughes, o homem que escrevia histórias para crianças se deparou com o horror novamente. Não só com a negação da vida por parte de uma companheira sua: agora foi Assia, que aos 42 anos, seguiu o triste exemplo de Sylvia e buscou a morte com o mesmo "modus operandi", e pior, levou junto, para o vale das sombras, sua filha de quatro anos Alexandra Tatiana Elise ("Shura"). Os detalhes desta história macabra estão em um livro cujo título é “A Lover of Unreason – The Life and Tragic Death of Assia Wevill, Ted Hughes´ Doomed Love”, escrito pelos jornalistas Yehuda Koren e Eilat Negev. Uma boa resenha desse livro está no portal Cronópios (link http://cronopios.com.br/site/resenhas.asp?id=1890)
Mas a desgraça não acabou aí, muito mais tarde, em 2009 foi o filho de Sylvia e Hughes, Nicholas que aos 42 anos também, cometeu o suicídio no Alasca, onde trabalhava em pesquisas na área de biologia. Ele não era casado, nem tinha filhos. A causa apontada para tal ato foi uma depressão profunda.
Apesar de todo o peso desse "post" recomendo a leitura de "A redoma de vidro", nesse livro há um aspecto interessante, que parece estar impregnado na poesia de Plath, as metamorfoses da morte, vista com uma alucinada tentativa de vida, "uma regeneração", "ressurreição" (no poema Lady Lazarus), voltando como utopia da perfeição , o retorno ao obscuro, úmido e aconchegante útero materno, (no poema "Dark House"). Como a bem-aventurança da dissolução do eu, a regressão ao estado mineral,( em "Colossus"). São palavras de Fiorillo, ela mostra que sob qualquer dessas máscaras, sempre está o mesmo tema tratado com "implacável curiosidade".
Para terminar, segue um trecho de "A redoma de vidro", no momento de sua grande crise perto de uma internação: "Mesmo sabendo que devia estar agradecida à senhora Guinea, eu não conseguia sentir coisa alguma. Se ela tivesse me dado uma passagem para a Europa, ou para um cruzeiro ao redor do mundo, não teria feito nenhuma diferença para mim, porque onde que que eu estivesse - fosse no convés de um navio ou num café em Paris ou em Bangcoc - estaria na mesma redoma fria de vidro, cozinhando meu próprio azedume" (pg 170). Pode-se dizer que ela era habitada também por um implacável humor.
(Obs: Vou consertar alguns erros na edição, senão essa caricatura não vai para o ar)
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