30.10.07

O mapa fantástico do Grande Sertão


(Continuação do ensaio sobre o livro Grande Sertão: veredas)
Diz-se ter Rosa mapeado as andanças de suas criaturas pelas brenhas do sertão. Mas não se iluda: fez isso numa cartografia fantástica.
Antonio Candido cotejou as passagens do livro com os mapas da região, e percebeu o surgimento de "uma impossível combinação de
lugares: mais longe uma rota misteriosa, nomes irreais". E que certos acidentes geográficos obedeciam a uma "necessidade de
composição". Foi aí que viu a importância do rio São Francisco na trama. Riobaldo chega a dizer que o rio partiu sua vida em duas partes
"qualitativamente diversas". O crítico mostra, assim, que na margem direita corre a vida normal e na esquerda, o conflito. Nas passagens
entre um lado e outro é que se realiza o destino de Riobaldo e Diadorim.
Mulher disfarçada de jagunço, Diadorim quer se vingar do assassino de seu pai, Hermógenes, mitológico guerreiro que carrega a fama
de ter feito um pacto com o demônio. Como numa tragédia grega, precipitará o antagonismo. No desfecho da luta, supõe-se ter
eliminado o mal figurado no pacatário. Seria a catarse. Mas os rios para Rosa têm três margens.
Riobaldo não será apenas instrumento dessa vendetta cabocla, apesar de abdicar de seu destino por causa de seu "ambíguo"
companheiro: "Diadorim é minha neblina" – ele diz encantado. Chega a acreditar em sina: "A modo que resumo da minha vida, em
desde menino era para dar cabo definitivo do Hermógenes". O paradoxo dessa relação é que à medida que se envolve na luta de outro,
ele se define, enfrenta o sertão, que não é simples paisagem e sim um tirânico personagem: "O sertão me produziu, depois me engoliu,
depois me cuspiu do quente da boca…". Mas vínculos de fogo inconscientes determinarão sua travessia.

5 comentários:

Anônimo disse...

A 'terceira' margem é o leito do rio.

Então a luta interior flui pelas águas de um rio imaginário; uma aventura fetal; uma mulher segura em seus propósitos, que para atingi-los se faz passar por homem; e um homem que teme ou não sabe o seu destino e se joga entre as duas margens na esperança de encontrar as respostas bem guardadas na terra. Gaya.

Êta sertão à grega.

Anônimo disse...

O rio segue ao Oceano. Liber, está poesia pura o texto. Há constelações rios, há Jordão nos batistérios das igrejas, ano corrente,... a metafóra do rio é imensa. zé

LIBERATI disse...

Cara Tinê, a Grécia inteira está no Sertão como veremos no último capítulo que botarei hoje no ar.
bjs

LIBERATI disse...

Caro Zé, que bom que você gostou do texto. Na verdade o texto era imenso,nas primeiras versões quando eu enveredei a escrever sobre o Grande Sertão. Tinha mais ou menos 17 laudas. Ralei muito para encurtar. Escrever é cortar acho que disse Graciliano Ramos que do lado do seu bule de café e sua garrafinha de cachaça ia cortando, cortando, até chegar o seco -sublime.
Um baita abraço

Rogério Nunes (Vulgo Manjja) disse...

Olá Liberati e outros leitores... há uma coisa que ninguém conseguiu me explicar: Como pode Diadorim estar travestido de homem para vingar Joca Ramiro, seu pai, sendo que desde Os-porcos e o reencontro na casa do pai da mulher da fogueira ele já era um "menino" e Joca era vivo?
O próprio menino disse: "meu pai disse que eu carecia de ser diferente..."
Qual a real razão do travestimento de Diadorim?