14.1.09

Gaetano, dov'è?


De vez em quando tenho o prazer de rever minha santa mãezinha que está na casa dos 87 e lá vai fumaça, e nesses momentos raros de felicidade e desespero eu tomo contato com coisas do arco da velha (olha o respeito com a quarta idade!)
Desta vez ela me contou pela enésima vez a história do sumiço do meu bisavô Gaetano que aconteceu nos "idos de julho" da revolução de 1924.
Durante aquela luta insensata aconteceu essa coisa terrível para nossa família. Durante o seu relato bastante claro , percebi que ela estava trazendo para a luz dos nossos dias suas memórias mal sepultadas e resolvi registrar nessa croniqueta anacrônica. Ela disse:
-"Eu me lembro de tudo como se fosse hoje, e olha que eu era criança naquela época. Teve muito tiro , faltou comida, invadiram um moinho, ninguém podia sair de casa. Vinham uns aviõezinhos e jogavam bombas ou atiravam em cima da cidade, principalmente os bairros operários. Diziam que eram das forças do governo federal. Uns projéteis acabaram atingindo a cozinha da casa da minha mãe. No de meio da refrega seu bisavô, Gaetano, morreu de morte natural. Ele era pai do meu pai.
Disseram que não era para fazer o cortejo fúnebre nem nada,só sei que vieram uns homens e levaram o seu corpo numa carroça não se sabe para onde. Tudo era muito perigoso. Depois que acabou essa guerra, sua avó costumava ir rezar nos dias de finados na capela do cemitério do Araçá por um morto que ela imaginava que estava lá."
Isso me comoveu e me deixou indignado. Uma família deveria ter o direito de enterrar seu patriarca. Não sei porque me lembrei de Antígona lutando para enterrar o corpo de seu irmão… Fiquei imaginando aqueles imigrantes temendo o pior no meio de uma briga que não era deles. Estrangeiros numa luta estanha.
Curioso, fui consultar um livro sobre o movimento de 24 e vi que ele era uma espécie de continuação ampliada da revolta do Forte de Copacabana- primeira expressão pela ação direta do “tenentismo”. Os tenentes de então se achavam os salvadores da pátria e se levantavam "em nome do povo inerme" Isso está escrito no belo trabalho de Boris Fausto intitulado "A Revolução de 30".
Esses militares desconfiavam dos civis e "ao mesmo tempo, tinham a consciência da impossibilidade de entregar o poder a um nome saído das próprias fileiras tenentistas".Os civis também achavam que aquilo era uma "quartelada" que não ia dar em nada.
Para se ter uma idéia da confusão que reinava naqueles tempos.O Estado de São Paulo, no dia 9 de agosto de 1924 publicava uma notícia espantosa:
"Há 5 dias que a população de São Paulo,completamente isolada do mundo, assiste perplexa a verdadeiros combates em vários bairros da Capital, nos quais entram em ação o fuzil, a metralhadora e o canhão. Nada se pôde ainda apurar acerca das orígens e dos fins do movimento militar que põe em justa inquietação
toda cidade."
No embalo, procurei por fotos na internet, e achei alguns poucos retratos e confesso, me ocorreu fantasiar que no meio dos escombros da guerra paulista vi uma carroça que carregava um morto embulhado num lençol. Poderia ser Gaetano, meu bisavô que perdemos para sempre no meio da neblina de uma noite fria de 1924.

2 comentários:

ze disse...

é um belo documento histórico. acho que a 'revolução de '30' do Pingüim / G. Vargas abarca, engloba esta - os líderes se juntam ao inimigo do Batman : Prestes fica fora, não aceita. E aí o sul maravilha unido (gaúchos, paulistas e cariocas) faz a sua 'revolução'. Não foi vã a morte de Gaetano.

LIBERATI disse...

Caríssimo Ze, Gaetano se foi solitário como todos iremos, mas os parentes queriam saber da sua derradeira morada. Tempos difíceis aqueles dos anos 20. Tempos difíceis hoje no mundo. Será que este planeta teve algum tempo fácil. Tem muita gente na praia com esse calorão, acho que os tempos não estão tão difíceis no litoral brasileiro.
grande abraço