
Eu não sei onde Lamartine Babo estava com a cabeça quando compôs a VACA AMARELA, uma espanhola natural de Minas que na Catalunha cata boi com serpentinas. A danada ainda escangalhou no quintal a cancela ao pular a janela. Também não sei de quem partiu a ideia de reunir primos de cidades distantes para formar um bloco no interior de Minas.
A lembrança é vaga, confusa como a vaca que veio de uma montanha mineira, “lá do Mar de Espanha”. É ou não é piada de salão, e se acham que não é então não conto não. Até porque, minha incursão pelo reino de Momo foi restrita a bailes infantis onde desfilei fantasias, ou à garupa do padrinho para assistir o BAFO DA ONÇA em frente a Central do Brasil. Por temperamento, meus carnavais costumavam ser acampamentos sem confete, o pó-de-mico era picada de insetos, o lança-perfume era repelente, e nunca me passou pela cabeça ser enquadrada como foliã por um cordão que não era – nem de longe – o do BOLA PRETA.
Como a MARCHA DO GAGO não foi escrita por Babo, vou contar um pouco sobre certo fevereiro, acho eu, em 1969, acham outros, em 1970, não chegamos a um acordo.
Éramos dez palhaças encantadoras. Dos rapazes, lembro de alguns. O que me animou a aceitar o convite – e se tornou a melhor parte – foram os preparativos, a zorra pré-folia, a começar pelo ensaio na sala do piano de tia Edith. Uma de nós dedilhava o teclado enquanto a tia fazia cantar a máquina nas costuras – metros e metros de pano com bolas multicores em fundo amarelo. Um primo gaiato interrompeu a cantoria: “Vamos decidir a pronúncia: ou ‘xx’ de carioca, ou ‘ss’ de mineiro!” Ora, que cada um cantasse ao seu jeito, como cada um assumiu tarefa nos bastidores do Bloco das Palhaças; a mim coube a tinta para pintar os chapéus na mesma cor das bermudas, bermudinhas e bermudões.
A farra doméstica entrava noite adentro, um entra e sai de gente, bagunça na porta do banheiro em que a moçada apertada fazia fila, a tia cronometrava o tempo do chuveiro elétrico ligado – “Aqui não é Rio de Janeiro!”, ela repetia. Mineiros e cariocas troçavam entre si. Carinhosamente. Espantaram-se quando surgi de pantufas, minirroupão e touca, combinados em estampa psicodélica – “Nooo... como carioca é macaqueiro!”, disse uma – “Pronta para o baile!”, disse o ousado – e revidei, levei a prima Ré a fazer xixi no chão de tanto rir – “Não sou papagaiada! Meus objetos de banho são de grife...” Riram em dobro; eles lá sabiam o que era VENT-VERT de Balmain quando a moda era o capim-cheiroso de Vitória da Conquista?! Não perdi meu ‘savoir-vivre’, melhor dizendo, o rebolado: antes de partir para o clube, entrei de cabeça no frango com quiabo gosmento (que me horrorizava) até chupar os ossinhos para provar que era capaz de deixar a frescura de lado sem perder o frescor.
Caras purpurinadas, congas amarrados, laçarotes armados nas golas engomadas. As primas irmanadas na palhacice entraram no círculo delirante do Caratinga Tênis Clube: menos de mil palhaços no salão nos receberam com riso e alegria. Os rapazes, fantasiados deles mesmos, nos enlaçaram a cintura para pularmos e girarmos como relógio doido até... a tal vaca íberomineira amarelar.
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Tinê Soares – 20/02/2009
Nota da Redação: a foto é do álbum de recordações de Tinê que a retocou para a publicação.