
Como prometi na semana passada(quando publiquei a capa), continuo a publicar meu livrinho Era uma vez um Brasil - História Espremida de Cabral a FHC. Hoje vamos ter o prefácio escrito por Claudius.
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Aviso de antemão que farei algumas correções e atualizações na historinha, nada que venha a disvirtuar o seu grande destino)
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Corriam os anos 70, eu morava em Genebra. Uma amiga de Paris me pede para dar uma olhada nos desenhos de um rapaz seu conhecido.
Era só olhar, dizer o que eu pensava, coisa simples, dizia ela. Dificílima, pensava eu, às vezes mesmo constrangedora, quando o que se vê não é bom.
E, de qualquer modo, o que dizer a um jovem que se inicia nas glórias de ter seu trabalho publicado a preço vil? Das tantas vezes em que um editor não entende a charge que você fez e você tem que bolar outra, apesar de saber que aquela era melhor? Ou das ainda mais vezes em que o editor entende muitíssimo bem o que você quis dizer, mas ele está ali justamente para que você o diga? Ou do fato de que muitos acabem desistindo e optando por profissões mais prosaicas, que permitem luxos como pagar aluguel do apartamento, a mensalidade da escola da criança e o supermercado?
Essa história de desenhar para jornais requer que a pessoa tenha um gene meio fora de órbita, um clique diferente, um olhar de esguelha, com resultados parecidos com o que o anjo torto vaticinava para Drummond, de ser guache na vida. Poetas e desenhistas de humor têm canais de comunicação invisíveisa olho nu e mesmo aos de passeio completo. Essa centelha está lá, indelevelmente marcada e se mostra desde criancinha. Há quem consiga percebê-la.
O pacote com os desenhos chegou. Era um envelope grande, cheio de selos e carimbo. Abriu a boca e despejou desenhos de todos os tipos e tamanhos, de estilos os mais variados - charges, ilustrações, histórias em quadrinhos, cartuns, estudos para capas de livos e discos - que se espalharam sobre a mesa e ficaram me olhando ansiosamente. O que diria o oráculo?
Deu para perceber a centelha ao primeiro olhar. Um a um, os desenhos foram examinados, deixados ali, revistos com mais vagar, selecionados. Foi um alívio: dava para falar bem do tal Bruno. Telefone, dando meu parecer com alguma parcimônia por causa das tarifas de telefone internacional. Falei do talento do jovem, indiscutível, disse que gostei de muita coisa, que ele levava jeito. Mas minha amiga queria saber mais, queria que eu fosse mais específico, exigia detalhes, uma verdadeira opinião e não aquele meu cerca lourenço. Aí eu disse que, ao meu ver, a qualidade dos trabalhos de ilustração sobrepujava todas as demais formas de expressão - qudrinhos, catuns, charges.
Muitos anos depois desse episódio, já instalado em Laranjeiras, no Rio de Janeiro, abro o JB e identifico no traço de um certo Liberati as características que eu havia retido na memória, apesar do tempo consideravelmente grande que separava os dois momentos. Tratava-se, sem sombra de dúvida, da mesma pessoa e meu vaticínio se havia realizado. Acertei em cheio, pensei.
Errei em cheio: nos anos que se seguiram, Liberati não só aprimorou cada vez mais suas ilustrações, mas invadiu outras praias, fincando o pau da barraca em areias da charge, da caricatura e da história em quadrinhos e ligando seu radinho de pilha a todo volume - quer dizer, não dá para não notar sua presença!
Esta "História Espremida de Cabral a FHC" é mais uma confirmação do talento de Bruno Liberati. Ele levou quatro anos para completar o trabalho, que vai até a posse de Fernandenrique. Seus leitores, de todas as idades, se deliciarão com esta bem-humorada versão do nosso karma e encontrarão aqui, quem sabe, explicações muito mais sensatas sobre o que nos vem acontecendo do que se acha nos sisudos livros de história oficial. Vai ajudar a garotada que está na escola a ter uma visão gozativa, que desmonta explicações pouco convincentes sobre episódios conhecidos. Justamente por não ter a pretensão de ser um livro didático e sim o livre exercício de desvairar em torno de um tema, o livro de Liberati permite uma leitura relaxada, gostosa, que vai despertar a curiosidade da turma.
Mas o público vai pedir mais: Liberati nos deve, desde já, a suíte dessa história na qual entrarão alguns novos e outros não tão novos personagens - Serjão, Dona Ruth, Maciel, ACM, Sarney, Itamar e June - toda a corte de FHC, com seus desencontros, buchadas de bode, pezinhos na cozinha, masturbacões sociológicas de uns e onanismo verbal de outros. Ao fund, nós todos, um tanto perplexos, um quanto indignados, mas sempre esperançosos.
Esperançosos de que Liberati seja nosso grande vingador. Mãos à obra Liberati!
Cláudius 27/04/95