29.2.08

Sociologia do Créu


Tenho muitas dúvidas, algumas do tamanho de continentes. Mas quanto ao esporte, não pago pensão alimentícia a nenhuma incerteza. Ele foi inventado para superar a agressividade do homem das cavernas. Acredito que nas primeiras partidas de futebol, por exemplo, a bola, era o crânio do inimigo.Com o passar do tempo, em vez de trucidar o antagonista, o troglodita passou a disputar quem levantava a maior pedra. O vencedor, batia no peito e urrava e o seu grito ecoava, intimidando seus rivais na savana primeva. Quer dizer, ninguém mais ia na jugular, o objetivo agora era humilhar o adversário, mostrar sua fraqueza. Depois não se sabe o que aconteceu, creio que vieram os campeonatos de cuspe a distância, arremesso de anões, torneios escatológicos e com o passar dos séculos se chegou à sutileza da ginástica olímplica, à delicadeza da marcha atlética (aquela em que o sujeito rebola, mas não tira os pés do chão) e à finesse do nado sincronizado. Claro que existiram alguns desvios. O esporte esteve, muitas vezes ligado à política e ao controle das massas, principalmente entre os romanos, como se sabe apreciadores de um bom spaghetti com muito molho a bolonhesa.Lá o espetáculo dos gladiadores, serviu aos propósito da dominação dos Césares no que se chamou “programa pão e circo zero”. Para deleite do povo, brutamontes se arrebentavam na arena do Coliseu. Como aperitivo tinha sempre um manjar de cristãos, que antecipando o imposto de renda, eram literalmente, jogados aos leões. Bem, é claro que no meio do caminho sobrou gente. Os mais fracos, os inábeis e ruins de bola ficaram de fora e aproveitaram o tempo livre para desenvolver a poesia,(que no começo era uma arte de puxar o saco do herói, que geralmente era um predador – lembre-se de Ulisses de Homero). Os mais “espírito de porco” aprimoraram a arte do chiste, os introspectivos a literatura, os que gostavam de rabiscos aperfeiçoaram as artes plásticas sem falar nos chegados a um barraco que inauguraram a arquitetura e os que queriam imitar os deuses que trataram de botar a mão na massa e inventaram a escultura. Os mais chatos transformaram-se em críticos e os ricos em mecenas e vai por ai…
Mas a atividade humana que mais se manteve perto do homem primitivo foi o esporte. Rolou um discurso que fabulou esse negócio de fairplay, de que “o importante é competir” e outras conversas para boi dormir. Mas no fundo, todo mundo quer mesmo é vencer e se possível com o pé no peito do oponente enquanto ele pede penico. Quem ler isso, vai achar que não gosto de esporte. No que se enganará redondamente. Sou maluco por futebol, mas alí na tela da TV , se possível de 54 polegadas. Não tenho mais idade para o viril esporte bretão. Estou mais para fisioterapia, sabe como é, coluna, aquela que sofre devido à nossa insistência em caminhar sobre duas pernas. Falando no ludopédio ou balípodo tenho visto muito craque de fim-de-semana engessado. Por isso prefiro eu e minha camisa amarela no sofá.
Mas, fiz este tremendo nariz de cera para tecer algumas desconsiderações sobre o jogo que deu o que falar. O tal do Flamengo e Juiz versus Botafogo e Dama das Camélias. Uns no créu, outros no buá. Qualquer detetive particular de "cabeça de porco" vai descobrir que houve algo anormal no referido match. Mas não é disso que quero falar. O que gostaria de destacar mesmo é a transgressão do gesto do créu. Uma evolução em relação ao top top ministeriável. Um era um gesto que envolviam as mãos e o outro pode ser classificado como uma expressão corporal. Ambos estão em sintonia com a sacada sociológica de Norbert Elias que escreveu um tratado sobre como o homem se "civilizou" com o passar dos tempos . Primeiro comia com a mão tomando nacos de carne de um prato comum. Para chegar ao garfo e faca demorou séculos. Assim também com o pudor: mostrar as partes das partes foi um passo gigantesco que vai do camisolão e a cançola ao biquini e ao topless. Quer dizer, hoje, podemos dizer sem cerimônia, pelo que se vê nas bancas de jornal , estamos inteiramente civilizados. Lá, dependuradas, moças carnudas mostram as derriéres na revistas masculinas recheadas de entrevistas que ninguém lê e em outras que nem entrevistas carregam. E com os tostões obtidos com essa abundância, tais moçoilas compram apartamentos com vista para o mar. E finalmente chegamos ao créu televisionado, vemos marmanjos no campo e na platéia repetindo gestos em allegro vivace que simulam o ato sexual, ou como diria Boccaccio, o coito propriamente dito. Pode-se dizer que se chegou ao eterno retorno, ao ato fundamental de onde todos viemos: um créu. Dizem os experts do bar do China que esse ato sexual simbolizado, (depois da terceira cerveja) não é o tradicional que causou a expulsão do paraíso. É coisa mais profunda... Xi , o negócio complicou! Talvez o sociólogo enconstado no balcão, tomando aquele uísque batizado queira saber se houve um carinho neste gesto inaugural. O China disse que pelo que se viu em campo a expressão foi de violência gráfica. Carinho em futebol só na cabecinha das criancinhas que funcionam como mascotes. E olhe que o sujeito faz é capaz de ser acusado de pedofilia, um safado!. Agora quanto às lágrimas,do vestiário relembradas na simulação que o jogador beneficiado faz depois de estufar o véu da noiva, isso é coisa do futebol, gozação pura...Acho bom parar por aqui, porque esse final tá mais para Freud explicar...Fui!

Lançamento d Boca do Inferno em Sampa

DIA 1º de Março Sábado 18:00 hs. LANÇAMENTO
DA REVISTA: BOCA DO INFERNO . COM #1
POR: RENATO ROSATTI, MARCELO MILICI, WALTER JÚNIOR,
MARCOS T.R. ALMEIDA, E. THOMAZ, JOSÉ SALLES
LAUDO, OMAR, J. NOGUEIRA, RENATO ROSATTI,
WALTER JUNIOR
Na HQMIX LIVRARIA - PRAÇA ROOSEVELT Nº 142
Centro - São Paulo - SP
TEL (11) 3258 7740
A revista BOCA DO INFERNO.COM #1 é editada por JOSÉ SALLES em parceria com o site BOCA DO INFERNO (de RENATO ROSATTI e MARCELO MILICI), traz as HQs Um Coração de Presente (roteiro e desenhos de WALTER JÚNIOR); Aventuras do Conde Lopo – Coração de Naturalista (história e arte de MARCOS T.R. ALMEIDA); Para o Horror e Além (escrita e ilustrada por E. THOMAZ); e Hooker Avenger (roteiro de JOSÉ SALLES, desenhos de LAUDO e arte-final de OMAR); além de pin-ups de J. NOGUEIRA e o texto Clássicos do Cinema de Horror – Teatro da Morte (por RENATO ROSATTI); a arte de capa é de WALTER JÚNIOR

Fragmento do dia - Cinema e Literatura

"As reverberações iluminadas clareavam um quadro cinematográfico dos mais animados". comenta Strindiberg por volta de 1897, "onde passam ônibus, pequenos coches, carroças que transportam do bosque alegres companheiros endomingados."
Tão logo dominada, a técnica da captação e da restituição do movimento passa a ser modelo para pintores da vida moderna. Mas, para nossa surpresa, ela não desvaloriza os outros espetáculos óticos que acreditam ainda ter a eterninadade diante de si. Bem no meiodo panorama, o espectador é o rei. Ele se prepara, se exercita. O movimento do mundo vem a ele luminoso, a passos leves, infinitamente melancólico - em uma palavra, brando.
(Jerôme Prieur em O espectador noturno - Os escritores e o Cinema -Capítulo Panorama Imperial- Editora Nova Fronteira - tradução de Roberto Paulino e Fernanda Borges)
Nota da Redação: Ele pega textos de vários autores que falam sobre o cinema. É muita gente mesmo!

Flagrantes Literários

28.2.08

Fragmento do dia - Arte e palavras

"El arte parece correr el peligro de ahogarse en palabras".
(Rudolf Arnheim em Arte y Percepción Visual - Psicologogia de la visión creadora)
Nota da Redação: Um dos maiores tratados sobre a arte, com exemplos práticos sobre a matéria de que ela é feita com capítulos sobre forma, equilíbrio, espaço, luz, movimento , oscambáus...

Flagrantes Literários - Corcundinha no funk

27.2.08

Fragmento do dia - O que é Jazz?

"Como é notório, é difícil falar de arte. Pois a arte parece existir em um mundo próprio, que o discurso não pode alcançar. Isso acontece mesmo quando ela é composta de palavras, como no caso das artes literárias, mas a dificuldade é ainda maior quando se compõe de pigmentos, ou sons, ou pedras, como no caso das artes não literárias. Poderíamos dizer que a arte fala por si mesma: um poema não deve significar e sim ser, e ninguém poderá nos dar uma resposta exata se quisermos saber o que é o jazz."
(Clifford Geertz na abertura do capítulo A arte como um sistema cultural em O Saber Local - Novos ensaios em antropologia interpretativa- Editora Vozes - tradução de Vera Mello Joscelyne)

Flagrantes Literários- Proust

26.2.08

família FERREZ no Rio: novas revelações


Começa hoje e vai até o dia 27 de abril esta magnífica exposição de fotos da família Ferrez no Centro Cultural Banco do Brasil. Na rua Primeiro de Março , nº66, 2ºAndar - no Rio de Janeiro. Todos lá!

Fragmento do dia - Culturas Híbridas

"Há um momento em que os gestos de ruptura dos artistas que não conseguem converter-se em atos (intervenções eficazes em processos sociais) tornam-se ritos.
O impulso originário das vanguardas levou a associá-lascom o projeto secularizador da modernidade: suas irrupções procuravam desencantar o mundo e dessacralizar os modos convencionais, belos, complacentes, com que a cultura burguesa o representava. Mas a incorporação progressiva das insolências aos museus, sua digestão analisada nos catálogos e no ensino oficial da arte, fizeram das rupturas uma convenção. Estabeleceram, diz Octavio Paz, a "tradição da ruptura". Não é estranho, então, que a produção artística das vanguardas seja submetida às formas mais frívolas da ritualidade: os vernissages, as entregas de prêmios e as consagrações acadêmicas."
(Néstor García Canclini em Culturas Híbridas - Edusp - Tradução de Ana Regina Lessa e Heloísa Pezza Cintrão)
Nota da Redação: Canclini é um sujeito que fundamental para entender a Cultura na América Latina nessa confusa e complexa época pós-pós-moderna de perda das referências e da globalização onde turistas consomem luxo e os excluídos lixo- e Canclini vai dizer que não é bem assim. Tradição- contradição=Hibridação e vai por aí neste ensaio que é, como ele mesmo diz similar a uma cidade com várias portas para entrar e sair- texto ambulante.

Flagrantes Literários

25.2.08

Ritos Acadêmicos


(Este texto foi publicado originalmente pelo Professor Marco Aurélio Nogueira no jornal O Estado de S. Paulo no dia 23 de fevereiro de 2007. - Aproveitem e visitem o blogue do nosso querido amigo e colaborador Marco Aurélio clicando aí nos nossos preferidos o endereço : http://marcoanogueira.blogspot.com/)
Concursos de provas e títulos, de acesso e de defesa de teses de pós-graduação compõem boa parte do cotidiano das universidades brasileiras. É por meio deles que a academia seleciona seus quadros, diploma seus especialistas e reconhece o mérito de seus professores, possibilitando-lhes uma carreira de longo prazo.

Ao menos naqueles que dizem respeito ao corpo docente, a questão intelectual ocupa o posto de honra. Ou deveria ocupar. Os concursos para livre-docência, por exemplo, têm no mérito científico a sua peça de resistência. Também é assim com as bancas de defesa de tese. Já os concursos para prover cargos de Professor Titular são mais amplos, pois coroam a carreira docente, configurando seu último degrau e dando, a seus ocupantes, a condição de cidadãos plenos da universidade. Os Titulares foram concebidos para figurar como reservas políticas, científicas e morais das instituições acadêmicas. Somente eles, por exemplo, podem ser candidatos a reitor ou a pró-reitor nas grandes universidades de ensino e pesquisa.

Justamente por isso, concursos deste último tipo são cercados de rigorosos pré-requisitos: longa trajetória docente, expressiva produção científica na área em questão, envolvimento efetivo com as diversas atividades acadêmicas, experiência comprovada de orientação e formação de pesquisadores, estágios e estudos complementares no exterior, obtenção de bolsas de pesquisa, e assim por diante. As bancas, formadas por reconhecidas autoridades intelectuais, devem submeter os candidatos a provas substantivas e duras, no correr das quais são revistos diversos temas estratégicos, é contada uma história institucional e passada a limpo uma biografia intelectual. Até bem pouco tempo atrás, tais eventos costumavam ser cercados de grande expectativa, ensejavam uma saudável competição intelectual entre os pares e eram acompanhados com interesse e alguma vibração por alunos e professores.

Tudo isso está hoje suspenso no ar. Salvo casos isolados, os concursos perderam boa parte de sua dignidade. Há bem menos rigor neles, especialmente nos de maior relevância, que estão condicionados por muitas conveniências e acomodações. Também por isso, produzem pouco impacto na instituição universitária e não sensibilizam seu povo. Tornaram-se eventos pequenos, acompanhados por familiares e amigos e ignorados por aqueles que circulam pelas faculdades. Sequer as defesas de tese têm força para despertar a disposição comunitária que deveria estar entranhada nos estudantes. Ninguém mais se mobiliza por elas ou para elas.

Passa-se o mesmo com os concursos para Titulares, que carregam consigo as maiores honrarias e tradições acadêmicas. Concorrem a eles professores com carreiras consolidadas, normalmente veteranos em suas instituições e as provas incluem em lugar de destaque a avaliação de memoriais de atividades, concebidos para ser relatos analíticos e circunstanciados de uma trajetória intelectual. Deveriam, portanto, gerar amplo interesse institucional, agitar minimamente o corpo docente e discente, despertar polêmicas, torcidas contra e a favor. Quem não gostaria, por exemplo, de ver incensado seu mestre preferido ou desmascarado o professor pretensioso?

Nada disso, porém, acontece hoje. Sobre tais eventos, pesa o silêncio da irrelevância. Os ritos e procedimentos típicos da vida acadêmica estão sendo sufocados pelas agendas universitárias, pelo pragmatismo contábil das reitorias, pelo corporativismo de professores, funcionários e estudantes, pela massificação, pelo afã produtivista e meio predatório que contamina o dia-a-dia da universidade, pela horizontalidade que quebra as hierarquias e os atributos intelectuais.

Concursos de provas e títulos nunca foram, e jamais poderão ser, o capítulo mais importante do cotidiano universitário. Tinham o mérito, porém, de indicar caminhos e facilitar o autoconhecimento institucional, retendo e renovando tradições intelectuais. Por meio deles, professores e estudantes eram incentivados a se apropriar da história mais profunda da universidade, fortalecendo assim os laços comunitários de identidade e projeto.

Os concursos converteram-se em procedimentos burocráticos, ritos esvaziados de densidade ética. Exceções à parte, destinam-se a distribuir cargos e diplomas, não a selecionar quadros ou a premiar méritos. São precedidos e seguidos por disputas mesquinhas, de bastidores, muitas vezes alheias a critérios de competência e merecimento. São acompanhados sem maior interesse institucional. Estão a correr o risco de se transformar em pastiche, imitação grosseira de estilos antigos, que já não mais respiram livremente.

Na universidade dos nossos dias, há muito mais que crise financeira e de gestão, muito mais que dificuldade para entrar em sintonia com o mundo. A crise se aprofundou tanto que passou a afetar o cerne da vida acadêmica, pulverizando suas rotinas, hierarquias e medidas. Nada que ocorre nas faculdades parece ter força para impactá-las como instituição, sequer os atos mais heróicos e rebeldes periodicamente praticados. Há alguns aplausos e certa torcida para que direitos se cristalizem, espaços se ampliem e certas reivindicações sejam vitoriosas, mas nada subsiste ao dia seguinte, nem se acumula e produz novas qualidades.

Não há como pensar que os ritos acadêmicos possam permanecer imunes ao tempo e não sofrer o efeito das transformações sócio-culturais. Brigar para que tudo volte a ser como antes seria uma batalha insensata, condenada à derrota. Mas é de se esperar que uma instituição preciosa como a universidade, por cujos espaços e estruturas correm os rios profundos da inteligência, seja capaz de reinventar a si própria, encontrando novas formas de fazer com que prevaleçam, em seu interior, as melhores práticas intelectuais e aqueles valores que ao longo do tempo a fizeram ser o que é.

Meus cartuns histéricos

24.2.08

22.2.08

Pensar o esquecimento


Clique na imagem para ampliar

Meus cartuns histéricos: Ciência e Marketing

Crônica da Tinê - Tuareg


Recordo uma festa familiar nos anos 80. No rebuliço doméstico, abriram um presente que era um enorme cartaz de Fernando Collor, em pé, de olhos fechados, ligeiramente reclinado, um punho na testa e outro às costas. Ninguém entendeu. Tuareg, num transe repentino, se colocou no centro da sala em igual postura do retratado e lentamente foi girando, ora para um lado, ora para outro, em cadência típica de terreiro. Ela girava compenetrada, até que as perguntas recriminatórias se transformaram em risos e seus giros foram aumentando. Alguém percebeu a provocação e diminuiu a luz. Uma crítica velada a um dos convidados. Pensei naquele momento em tocar um elepê de Mory Kanté - mas já estavam todos às gargalhadas, e Tuareg estirada ao chão, tal uma pomba exausta.

Um dia ganhei de Tuareg uma fita cassete - alguém ainda sabe o que é isso? - com a cópia de “Carmem”, a trilha sonora do filme americano inspirada na ópera homônima de Bizet. Na época, só as emissoras de rádio tinham equipamento para copiar em fita e eu precisava devolver o disco emprestado. Radiante, fui ao toca-fitas. A estonteante abertura virara uma banda de procissão. A vozes intercaladas daquele bar de afros foram substituídas por uma cantilena de enterrar toureiro vencido. Decepcionada, fui reclamar e Tuareg não perdeu o rebolado - É o seguinte, o aparelho na rádio não toca na mesma rotação da bolacha, então o jeito é você imaginar Cindy Lou e Joe em câmera lenta, não faça essa cara, a cigana vai morrer em qualquer ‘r.p.m.’.

Noutra ocasião, diante de amigos, ela foi impiedosa: imitou a cena em que fiquei entalada na catraca do metrô com sacolas de compras, fazendo soar alarmes, piscar luzes, disparar os seguranças, justo na hora engarrafada. Devo observar que eu não era gorda, apenas estava sem óculos e inseri na máquina a sanfona inteira de bilhetes como se fosse único. A performance dela incluía a mim, os guardas, os usuários na fila, os gestos das bilheteiras, todos os sons, menos as cores que acendiam e apagavam.

A última lembrança ao vivo foi em casa da irmã dela, onde me hospedara por uns dias. Ao contrário dos anfitriões, eu acordara no horário das galinhas. Fui preparar meu achocolatado. A cozinha não tinha porta e os ruídos foram inevitáveis. Para incomodar menos, decidi usar o microondas que ficava no alto de uma prateleira. De camisolão, ali parada, olhava para o alto, para o 'timer', de mãos postas junto ao peito. Este ritual se repetiu por dias. Eu me arrumava e saía em silêncio. Mais tarde, e alguns dias que se seguiram, onde quer que eu fosse tinha de ouvir gracejos de que com tanta santa disponível eu rezava para a Nossa Senhora do Microondas. Claro, só podia ter sido Tuareg, a sarcástica!

Quem nunca comeu doce, quando come se lambuza. Diz-se o mesmo de quem nunca brincou na neve. A prima que o diga, esta que aqui chamo de Tuareg, a julgar pelas centenas de fotos nevadas. Depois de muito rolar nas areias escaldantes cariocas e nas dunas nordestinas, hoje ela rola em neves de T. S. Elliot. Além de anjo-palhaça, ela é muito volúvel. Na primeira vez que saiu do Brasil foi para Portugal, voltou apaixonada e foi avisando a todos: vou mudar-me para lá, onde meu coração está! Depois repetiu o mesmo discurso amoroso com a Argentina. Agora não quer saber de mais nada, só dos ianques. Disse que desta vez fica para pesquisar, não duvido, porém creio que o estudo assistemático das viagens ‘coast to coast’ tem-lhe oferecido melhor currículo em assuntos gerais.

A primeira cena-americana de Tuareg veio de São Francisco. No sobe-desce ladeira, adorou o bairro Castro, onde há uma bandeira arco-íris fincada em cada esquina. Esfuziante de alegria, sem saudade do Rio ou do Maranhão, pegou uma daquelas bandeiras e girou no meio da rua a gritar pra todo mundo – I’m not gay! I’m not gay! – e se espantou de que ninguém deu bola, deram de ombros, e daí? alguém liga para o que é ou deixa de ser?, e ela achou isso o máximo. Eu não sei que bicho morde brasileiro que se manda, sem querer voltar. Seja de Nevada ou de Baden-Baden. É como um rito de iniciação global. Só sei que um dia o deslumbre cederá lugar ao feijão com arroz e farinha d’água. Um dia este anjo-borboleta sulcado no gelo vai voltar, ao menos para eu lhe cobrar - Cadê a minha cópia de “Carmem” na rotação certa? Nem fado, nem tango, oh yeah!
[Tinê Soares - 20/2/08 - 22:57:04]
N.R: A arte sobre a foto também é de Tinê

20.2.08

Ironias da História - O capítulo de Fidel


“Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado”
(Karl Marx em”O 18 Brumário de Luis Bonaparte”)
A história me absolverá. Disse Fidel Castro ao encerrar a sua defesa diante de um tribunal depois do malogrado ataque aos quartéis de Santiago de Cuba e Bayamo no dia 26 de julho de 1953. Era o começo de uma rápida jornada: amargou pouco tempo no cárcere. No exílio, Doutor Castro, como era tratado nos EUA, trazia o rosto bem escanhoado e com sua lábia seduziu políticos, empresários e a imprensa americana. Logo arrecadou fundos para tentar derrubar a ditadura corrupta de Fulgêncio Batista. Esse namoro com os americanos continuou durante os tempos da romântica guerrilha em que mergulhou a partir de Sierra Maestra. O discurso amoroso se intensificou depois da desastrada invasão que cometeu a bordo do iate Granma quando desembarcou com 82 homens na província de Oriente em dezembro de 1956 sob fogo do governo. Desse episódio só sobreviveram 12 combatentes. A imprensa oficial se apressou em noticiar que as forças de Batista haviam liquidado o foco rebelde, coisa que foi desmentida para o mundo em fevereiro de 57 no New York Times pelo jornalista Herbert L. Matthews que entrevistou nas montanhas o esperto advogado já em roupas de campanha portando uma considerável barba, espantando mosquitos com seu indefectível charuto. O movimento teve calorosa recepção na mídia do “país muy amigo”,inclusive em publições conservadoras. A revolução alcançou o máximo de sua fama quando chegou até as páginas da Reader’s Digest que era um fenômeno no meio da imprensa com circulação espetacular em todo mundo. Mas, a glória mesmo, veio com a TV em maio, numa reportagem da CBS que se embrenhou na mata para levar aquele curioso bando de insurgentes para as telinhas dos lares da américa, na hora do jantar.
Enfim depois de 3 anos de luta, Fidel e seus barbudos, derrubaram Batista e inscreveram Cuba na história e na mitologia do século XX com sua Revolução. A queda do regime na verdade é mais complexa, mas pode se resumir, dizendo que quase caiu de podre. Estava tão desmoralizado que Eisenhower, por baixo dos panos tentou uma solução negociada para o afastamento do ditador. No Museu da Revolução, em Havana, entre uniformes manchados de sangue seco dos guerrilheiros, e até a máquina de escrever “Hermes” em que Alejo Carpentier compôs “O Século das Luzes”, está o famoso “telefone de ouro” presenteado por uma corporação Americana a Batista que por sua vez tinha uma sociedade com o mafioso Meyer Lansky. A ilha atraia vários cappi das famílias criminosas dos EUA, gente do calibre de Vito Genovese, Frank Costelo e um cujo nome curioso era Santo Trafficante Jr.
Lansky tinha construido um big Hotel,o Riviera, que na época era um templo de prazer em frente ao Malecón para receber seus convidados, entre os quais, figuravam grandes empresários, militares e gangsters americanos que iam se divertir nos cassinos e relaxar naquele bordel a céu aberto.
É preciso salientar que sempre houve um velho desejo americano de se apossar biblicamente da Ilha. Não se pode esquecer que em 1890, depois do último combate contra os índios em Wounded Knee Creeck o Capitão A. T. Mahan escreveu no Atlantic Monthly : “quer quiserem ou não os americanos tinham agora que começar a olhar para fora”. É o começo de uma onda expansionista que vai dar na anexação do Hawai e no envolvimento na guerra de libertação de Cuba contra a Espanha no final do século XIX. Soldados “mambises” e americanos combateram lado a lado, mas na hora H, os irmãos do norte passaram a perna nos nativos e dominaram a Ilha durante um bom tempo.
Vai daí que os americanos esperavam a gratidão de Fidel,após os festejos da vitória. Porém ele surpreende com seus planos de autonomia e escandaliza ao nacionalizar as riquezas país. Em represália, os gringos deixaram de comprar o açúcar cubano. E aí começa uma queda de braço,sem fim. O desdobramento todo mundo sabe de cor e salteado: Cuba passa a orbitar a União Soviética. Em 196l os EUA rompem relações diplomáticas com o regime castrista. Vem a intervenção com a vexaminosa “operação lambança” na Baia dos Porcos em abril de 1961, na qual a CIA lança 1500 homens que são rechaçados numa tentativa de invadir a Ilha. E para piorar a situação em 62, explode a chamada “Crise dos Mísseis onde EUA e URSS quase precipitam a Guerra atômica, tendo por pivô a instalação de bases para lançamento de mísseis em território cubano. Na sequência acontece a expulsão de Cuba da OEA e se incia um embargo ecônomico que dura 44 anos. Até 1990 a URSS segura a onda. Quando ela “ruidosamente” sai do mapa, a Ilha cai na dura realidade e começa uma longa agonia. Nestes 47 anos que passaram ,pode-se dizer que Fidel fez história com o inimigo no seu calcanhar. Cometeu grandes erros e o principal deles foi, aos olhos do Ocidente, impedir as chamadas liberdades democráticas. Por outro lado resolveu o problema educacional, criou uma universidade realmente popular, deu assistência médica gratuita e de qualidade ao seu povo. Não se sabe ainda se a história o absolverá. Hoje engenheiros dirigem táxis porque não existe onde trabalhar. Sente-se o crime do embargo na deterioração da vida cotidiana do povo cubano. O mundo se transformou muito desde 1959, Cuba parece ter parado no tempo como seus velhos “cadillacs” e “oldsmobiles” que roncam pelas ruas de Havana. Os quartéis do inimigo na atualidade são os Shopping centers e as armas suas grifes.
A importância de Fidel hoje, está em ser mais do que tudo, um símbolo da resistência, inclusive biológica ao império. Há muito tempo que se prepara a sua aposentadoria. Chegou, por fim. Ele longe da cena, talvez facilite uma transição pacífica. Isso pode acontecer, agora , porque Bush vai desocupar a moita(sem trocadilho). Quando Fidel foi operado pela primeira vez,um porta-voz da Casa Branca anunciou que já havia liberado 80 milhões de dólares para financiar a mudança do regime cubano. Convenhamos que assim não se chegaria a lugar nenhum.
Quando o último líder carismático da América que ousou ir contra a prepotência do Império esboça o seu adeus, cabe começar a investigar se a história absolverá também os crimes do “irmão do norte”? Aqueles que ele cometeu em nome da “democracia”. Vamos lá, é só recordar do Brasil de 1964 e da “Operação Brother Sam”. Da derrubada de Allende no Chile, da Nicarágua y otra cosas más que fez na nuestra pobre América Latina. E o que dizer das atuais criaturas do mal, como Bin Ladem e Saddam Hussein? Apesar de um já ter ido pra vala, cabe lembrar que estes dois elementos foram alimentados com papinha pela Casa Branca.
Obs. Nós caricaturistas lamentamos a aposentadoria de uma fisionomia tão marcante com aqueles uniformes incríveis, bacanas de desenhar.

Meus cartuns absurdos: Dúvida do Pirata

Fidel pediu o boné


Pois é, Fidel enfim pediu o boné. Procurei nos meus arquivos soterrados de papéis cheios de rabiscos que se encontram nas gavetas de uma velha escrivaninha e achei um artigo que cometi faz uns tempos sobre essa grande figura que se retira da vida política. Vou ver se publico ainda hoje, durante o dia pois faltam alguns retoques.
Hasta mañana, hasta siempre!

19.2.08

Meus cartuns de náufrago

Jack Bauer quem diria, virou jagunço!


Ô dia demais de cumprido!
A Rede Globo está passando mais uma temporada do seriado 24 horas. Num dia que perdi na poeira do tempo aproveitei a oportunidade para imaginar como seria uma aventura de Jack Bauer narrada na linguagem de Guimarães Rosa. Já sei que vocês vão dizer que Millôr, o grande mestre do Méier, já fez isso com a história de Chapeuzinho Vermelho.Sei que sou noviço na area, mas confesso que não resistí ao encanto da idéia de fazer essa adpatação geralista da trama do gringo Sutherland como jagunço dos bãos.
Nuncasei. Meu nome é Jáque Bau , Jaquibáu,coisa parecida, sô federá por encomenda e cai de asnices na defensiva de um grande citadino de altas considerações, político, candidato a governança e mais mais de uns traíra que na coitagem de me pegá manezando na beira de riacho que jacaré nada de costas.
Então monstra da ruindade veio me fazer de casebre, fiquei prenhe de medos e pari astúcias pra me forrá de peste. As medicinas homeopáticas simpáticas fala de um tal simila contra simila, cobra cascavé contra cobra cascavé. Mas, de tudo que já vi nesse mundo coisa do demo, deu justinho de me me acontecer desgraceiras eu mais minha família, Deus que me aproteja e seja louvado, treis veis,! Esse é o dia mais cumprido da minha vida.Um desdia com todo jeito.
Matinas- No váu das primícias deu de ter que enfrentá o redemunho das coisas de um tar que me assuntô num sonho , era um das árabias ,parecido turco-Kalil de panos e Aks 47. Vinha ele de tombar uma pilha de casa. arranha-céu de uma Novanhorque só de avião, dois ademais, assoei o nariz e nega-véia se acordô de tremuras e foi-se acender um lume. As fantasmagorias se desfizero na fumaça.
Negrume- Dia ainda não veio e já lacraia passeia querendo oreia quando garrei um toco de fumo e canivete nele, fiz um de paia e aproveitei do lume de nega-véia minha neblina e olho foi passear na moldura da janela.Formiga não era não aquele baruio.
Uns catrumanos brancos de rastejo vinham cobra cascavé abafando o chaquáio da ponta do rabo, mas de vez em quando um tropeçava no chaquáio do outro e plique pleque , ruído de maldade se espariava no meio do mio.Lingüinha de fora pedindo café tavam se escafedendo em fuga.Oiei pros lado não vi nega-véia meu norte, nem nossa filha Quimbe que deve ter se perdido no anarriê duma quadrilha de Santo Antônio casamentero.Pensei que ela deve ter se aprochegado dum desses de contrato e pistola de alugué. E agora? Só de marré me embestei pela estrada no rastro dos traste e nonada nequinhas de molengas eles vite se puseram na vertige do dia que aparecia num sol icterícia . Dei com os breques. Me vi indo e nisso já estava. Sinhô moço assuntado em maravilhas me explique , tenho de ? Nuns interins, tins e rins chacoalhava no lombo de meu pangaré mal vi o olho seu dizendo nuncas.O citadino defeso estava no cerco do desentendimento. Um tar de soldado amarelo prum lado, jagunço pro outro que é tudo a mesma coisinha. Tranquilizei meu rifle, azeitei bala, fiquei assim, assim, abrindo veredas na idéia quando chegou um qualquer moleque de recado dizer coisas que não queria ouvir, contrato de um deputado, homem bão , que eu devia de mandar chumbo grosso, mas para cima do tar citadino político, muito considerado candidato a cargo de governo grande, gente governada, ceis sabe. O tar que eu devia de aprotegê.
Arrisquei divinhação de que nega-véia meu sabor de jatobá e menina Quimbe já estava nas garra do cão, como o Hermoge daquele livro das vereda de um minero que escreve coisas de Riobaldos. E eu tinha de.
Nem pensei duas veiz,juntei bala um pedacinho de chumbo , e menino qualquer de recado debaixo do braço, levado no muque, parti atrás do recadante e fez sombra, tava perto, mandei: óia quem vem lá filho d’égua como carrapato , chupa cabra feladamulhedezona que agora sou Babauer- filho de Bem Bem e do Mau Mau . Nada de chumbo pra cima d'eu,só recebi bons dias e uns caraminguá. Devia fazer serviço no tar político.
Fui na confiança e varri sombra, arve, punhal. Ranquei cabeça de cobra e arresumindo matei todo mundão ,sertão é minha testemunha, matei o citadino meu aprotegido e mais nega véia minha mala, que tava me enchendo os pacová. Só salvei Quimbe que vendi num garimpo pra mode aliviá uma serra pelada inteira. Isso fiz despois de me fazê de buriti no meio da fumacera do tiroteio. Agora vivo no sossego , só de vez em quando mudo de cama e quarto durmo na mira e sei que ainda vão me pegá numa Cepeí dessas, mas o recadante que é deputado, homem bom o feladamãe, que me pagou adiantado prá fazer os serviço no home, o tar político candidato que eu devia aprotegê me disse que o cheque vai chegar num banco desses brasís, coisa grossa, mas senti armadilha, do Oiapoque ao Chuí,assim, posso falar de tranqüilidade porque nada me atinge , nada de federá, porque ninguém acredita que eu despachei um republicano famoso, eu um pobre diabo, que quase não sou gente. Quem vai creditá? Sou agora outro homem de memória fraca, num sei de nada, nemnunca!
Agora só mato uns e outros miudagente, sô jagunço de romance. Jéque Babáu. Inté mais!

16.2.08

15.2.08

Crônica da Tinê - Solfejos


Ele não dormiu. Tentou. Desistiu antes de clarear o dia. Foi para o computador para enviar recados. Desligou. Deu vontade de tomar cocacola. O cigarro acabou. Foi ao bar próximo. Fechado. Quando sentiu o cheiro de café com leite e pão quentinho na manteiga sobre a chapa, não resistiu e bateu na porta. Barulhão. Porta de aço escandalosa. Seu Antônio perguntou: caiu da cama? Ainda sonado, respondeu: passarinhos e má-digestão. O outro riu - Entre!

No sábado tentei assistir a um filme. Cochilei. Reprisam filmes. Então procurei um desenho animado que não fosse o debochado South Park. Tive sorte. Encontrei o do pinguim infeliz por saber sapatear, ao contrário dos de sua espécie que só cantam. Bonito. Imagino quantos rabiscos foram necessários para cada minuto de cena. Realismo gráfico. Reggae ambientalista. Até à cena final com os humanos vistos de longe. De muito longe. Humano é 'flórida', diria Bigger. Nada de Fred Astaire, diria Longer. Reggae e mambo, diria Uncutter.

A afilhada ao telefone reclamou: não gosta de texto minúsculo, como culinária francesa em que, depois de comer, quer atacar um hambúrguer. Nem na escola foi dado o direito de escrever um único camarão rodeado de sete gotas de molho raro e uma estúpida folhinha para enfeitar. Ouvi, calada. Quantas páginas seriam escritas por um francês para a receita do tal crustáceo? A tia disse que era preguiça mental. Argumentei: tempos uébicos, você não percebe, mas na tela correm linhas incessantes, faz mal. Ela não ouve e continua. Curto hai-kai. Expliquei, isto é poema, não é contar história. Então, Dinda, escreva normal e use um trecho no virtual. Pensei: virtude é manter o sapateado entre cantores. O que é escrever normal? Se eu soubesse cantar!

Ele me pediu biscoito de polvilho frito na hora. Neguei. Massa grudenta e cheiro de óleo quente a esta hora? Além disso, engorda. Mas você também gosta, ora! Sim, mas não estou a fim. É cedo. É domingo. As ruas desertas dão trânsito livre aos passarinhos. Faz sol, por que não vai espiá-los? Um cheiro de bolo assado atravessa a veneziana. Vem da fábrica de massas, faz biscoitos para a semana. Ou será a vizinha madrugadora fazendo bolo porque nunca diz não? Assim, sem mais, afirmo: não!

A garota quer ser bióloga, dizia ao telefone, mas teme os insetos. Sugeri o ramo da cervejaria. Bicho esquisito, só ao microscópio. Cevada, malte, levedo. O fermento é a vida. É preciso viver. O chinês manda mensagem no biscoito: no bater das asas, a borboleta muda de cor. Que nada! não é a borboleta, é a luz que muda ao incidir em diferente ângulo sobre a asa. Levanto-me e vou fazer bolinho de espinafre, não sou tão chata.

Outro dia, fotografei por todos os lados uma mariposa. No lado da luz, ficou assim. No lado da sombra, ficou outra. Ela não mudou, eu é que mudei. Será que só me veem em preto e branco? Minhas asas não cabem nesta realidade apertada. Para qualquer lado que me vire, ainda assim não consigo abrir as asas. Não sei cantar nem quero fazer biscoitos. Para piorar, não sei em qual ângulo fico neste mundo e em que isto afetará o próximo se eu mudar no plano em alguns graus. Se os pés formigam, sapateio: não e não.

Quando estou bem, não caibo em mim. Quando estou mal, não caibo nos outros. Quando me sinto leve, voo. Quando as cortinas deixam o sol entrar, relembro a praia, catava estrelinhas-do-mar e saía em disparada a mostrar aos adultos, numa alegria louca. Quando me fecham as cortinas, deixo aos outros o estrondo das ondas sobre as pedras. O que pouco me adianta, pois nunca pisaram nos espinhos escondidos sob a areia até aprender a evitá-los a caminho do mar. Em voo baixo, suporto meu peso, resumida ao preto e branco. Sei que todas as cores estarão comigo. O único problema é que nunca saberei lá-lá-lá-ri-lá-rá-rááá.

Ele dormiu. No sábado, assisti ao desenho de Mamble. A afilhada avisou: não gosta de texto minúsculo, vai atacar um livro. Ele comeu os bolinhos, não sobrou um. Ao telefone, a garota dizia que vai pesquisar a farmacopéia. Outro dia, uma imensa mariposa fez poses. Quando estou bem, não caibo em mim. Eles riram e cantaram por mim.

[Tinê Soares - 10/2/2008 - 7:14:20]
N.R. A ilustração desta crônica é uma foto de uma mariposa "Bruxa" clicada por Tinê.

Sábat, um dos maiores caricaturistas do mundo em Sampa


É domingo, pé de cachimbo e o genial Sábat estará em Sampa autografando seu livro de caricaturas Quem é Sábat? Sou fã de carteirinha dele. Sorte dos paulistanos. Todos lá!

Da Série Beleza Pura

Comunicado de felicidade


Senhores navegantes, por causa de acontecimentos familiares altamente agradáveis e uma felicidade meteórica não publicaremos a charge política de hoje nem a de amanhã.
Volto em breve para tentar fazer humor com o que anda acontecendo nesse país e no mundo. Enquanto isso fiquem com meus cartuns. Ah! Não publicaremos também os fragmentos do dia neste período, nem vamos comentar os comentários que voltarão logo logo para perpetuar a fuzarca desse blogue sem pé nem cabeça.
Boa sorte para todos!

13.2.08

Fragmento do dia - O ato de ver

"Cientificamente falando, está estabelecido que é completamente impossível registrar um acto de de visão pura - qualquer visão ocular ou óptica é sempre uma visão diferencial, combinatória. A própria natureza do olho, com seus cones e os seus bastonetes, implica uma actividade exclusiva da unidade; convém não esquecer que a retina é um fragmento do cérebro, isto é, que qualquer percepção é uma percepção activa, ordenadora e que, portanto, mesmo no nível menos elaborado, os elementos já não são diferenciados, mas construídos, não correspondendo apenas a um mecanismo de registro."
(Pierre Francastel no capítulo Elementos e Estruturas da Linguagem Figurativa do livro
A Imagem, a Visão e a Imaginação - edições 70 - Portugal)
Nota da Redação : Francastel desenvolve neste livro uma Teoria da Imagem - tomando com objetos o filme e a arte plástica ou nas palavras dele: o objeto fílmico e o objeto plástico. É um estudo avançado para reafirmar a especificidade e complexidade da "leitura da imagem" - afirmando a qualidade das obras de arte como objetos de civilização que manifestam um tipo de pensamento diferente da era da tipografia, do texto, ou seja: um pensamento plástico que foi negado ou subestimado por pensadores importantes do século passado.

Charge do dia 14 de fevereiro

Fragmento do dia - Elias Canetti e a consciência das palavras

O corpo do homem é frágil, doentio e bastante vulnerável em sua nudez. Tudo pode penetrar nele, e a cada ferimento lhe fica mais difícil pôr- se em defesa; num instante está tudo feito. Um homem que se apresenta para uma luta sabe o que está arriscando; se não vê nenhuma vantagem a seu lado, arrisca ao máximo. Quem tem a sorte de vencer sente acréscimo em suas forças, apresentando-se com tanto mais empenho a seu próximo adversário. Apó uma série de vitórias, alcançará aquilo que que há de mais precioso para o lutador, um sentimento de invunerabilidade - e, tão logo o possua, ousará lutas cada vez mais perigosas. A partir daí, é como se possuísse um outro corpo, não mais nu, não mais doentio, mas blindado pelos seus momentos de triunfo. Por fim, ninguém mais pode afetá-lo : ele se torna um herói."
(Trecho do ensaio de Elias Canetti Poder e Sobrevivência em A consciência das Palavras - ensaios. Companhia das Letras - Tradução de Marcio Suzuki e Herbert Caro em "O outro processo- cartas de Kafka a Felice")
Nota da Redação: Elias Canetti( Prêmio Nobel de Literatura de 1981)é um potente pensador que além de seu premiado romance Auto de Fé produziu de magníficos ensaios com o bravo trabalho Massa e Poder que é considerado como sua obra prima . Nesse livro A Consciência das Palavras estão reunidos os mais variados ensaios que ele escreveu entre 1962 e 1974. Somente o primeiro que contempla o escritor austíaco Hemann Broch é de 1936. Leitura e releitura obrigatória. Esse homem viu o monstro nascer e o homem mergulhar na barbárie num processo que ele procura desnudar não utilizando nenhum modelo de análise, nenhum ismo, consciente da responsabilidade que é escrever. No caso dele, escrever bem.

Da Série Estátuas Eqüestres

11.2.08

Fragmento do dia (12/jan)- Jules Feiffer

"Jimmy vai acampar com o pai. Não na vida real; esta é uma história em quadrinhos. O pai de Jimmy usa um chapéu de abas largas e copa achatada e uma jaqueta safári com os bolsos para colocar tudo: um mapa, uma bússula, uma lanterna, anzóis. Dojeito como Jimmy o deenha, ele se parece com Indiana Jones.
O pai de Jimmy é um grande conhecedor de floresta. Não na vida real, mas na história em quadrinhos. Ele vai guiando Jimmy pela mata adentro com leves toques no ombro. Quando ele toca no ombro esquerdo, Jimmy segue para a esquerda; quando toca no ombro direito, Jimmy segue para a direita. Os toques do pai tranqüilizam Jimmy. É uma floresta que tem ursos. E também cobras. "Vai indo bem, filhão", diz o pai, que não é de falar muito."
(Abertura de O Homem no Teto de Jules Feiffer - Cia das Letras - Tradução de Carlos Sussekind)
Nota da Redação - Este livro tem o texto e o desenho maravilhoso de Jules Feiffer. Ele que começou a trabalhar nessa arte seqüencial com o fabuloso criador de Spirit, Will Eisner e se transformou num ácido chargista, quadrinista de primeira e inspirado roteirista de cinema, por exemplo, escreveu o roteiro do filme "Pequenos Assassinatos" que é uma obra prima.

Meus cartuns absurdos

Fragmento do dia - Nani e o amor daltônico

Amores Daltônicos
Fabiano pediu uma passagem no guichê da rodoviária para qualquer lugar que não tivesse verde. E encontrou um lugarejo onde as árvores eram estéreis de folhas e até o pisca-piscar dos vaga-lumes eram lilases. Poucas casas encardidas pela poeira vermelha e na bandeira da única escola o verde era um pendão carmim. Gostou porque nada havia que pudesse lembrar os olhos hortelã de Marilene. Nada branco que lembrasse o sorriso de marfim que um dia lhe tirou um naco da alma quando ela lhe disse:- Suma-se da minha vida. - O dono da pensão onde ia se hospedar desse que no local não servia saladas. O comerciante também fugira do Rio e vivia naquela vila vermelha como um caroço de melancia. Fabiano pagaria adiantado um ano de aluguel e estendeu as notas de dólares no balcão. Os olhos do dono da pensão se orvalharam e ele balbuciou:
- Verdes...como os olhos de Marilene.
(Mini-conto de Nani em Humor Politicamente Incorreto - L&PM)
Nota da Redação: Meu vizinho Nani é um dos maiores cartunistas deste país e além de tudo, escreve bem pra caramba!

Meus cartuns histéricos - Cavaleiro Andante

10.2.08

Minha vizinha Chavista mete o pau na escatologia da Portelinha


Na volta do bloco ecológico "Não aquece o mundo que vai dar m...", encontrei a minha vizinha chavista , para variar no hall dos elevadores.
Ela estava fantasiada de "Triunfo Bolivariano" com aquele chapéu de dois bicos do Libertador das Américas, e um vestido balonê vermelho-caribe. Trazia nas mãos uma bandeira igual a essas das Escolas de Samba onde estava escrito "Hay que endurecer sin Viagra- Abajo los laboratórios multinacionales" . Junto com ela estavam seus companheiros da Pracinha, os aposentados brizolistas que faziam o papel de mestres-sala e ela claro, ia de Porta-Bandeira. Todos estavam muito contentes com as últimas vitórias do inconteste líder da esquerda latino-americana.
Mas desta vez, eu fui o culpado do que vem aí embaixo, no texto propriamente dito, pois puxei um papo que deu vazão à sua ira contra a atual novela das 8 (ou das 9? Não sei mais de nada nessa história de novela no horário de verão) Eu perguntei:
-Sabe quem eu vi outro dia no prédio de uns amigos, aqui perto?
-Nem tenho idéia, ela me respondeu,- Quem?
-Pois é , encontrei o Pereio num elevador que não estava funcionando muito bem. E ele estava fulo da vida com a falta de manutenção do condomínio. Eu, como conheço o prédio , disse a ele que era assim mesmo, mas que eu sabia como sair do elevador, caso acontecesse dele parar. Ele disse que não estava preocupado. (Como eu leio os jornais populares, sabia que ele tinha uma missão muito mais arriscada lá na Globo numa novela-favela-bairro). Depois conversamos generalidades sobre o funcionamento destas máquinas de elevar pessoas e móveis e ele foi lépido e fagueiro , acredito eu, rumo ao Projac, pois ainda não tinha invadido a Portelinha no papel de Lobato.
-Não deu tempo de me arrepender de ter iniciado esse lero com ela, e lá veio um discurso desconexo e delirante que tentei reter na memória para poder contar aqui.
-Aquela invasão da Portelinha foi uma das coisas mais mal encenadas da história do audiovisual mundial. (Ela disse isso como se fosse júri do festival de Havana)
- O Meireles (ela sempre fala dessas celebridades como se fossem íntimos ) criou o paradigma de filmagem de tiroteio em favela com "Cidade de Deus". O Meireles deu a chave , o mapa da mina e os caras não aprenderam. Aquilo da Portelinha, com Juvenal Antena de bazuca da segunda guerra mundial em punho , e funcionando ainda por cima, é coisa de chanchada da Atlântida, Oscarito não faria melhor.
Vamos e venhamos, isso não é esculachar, isso é tripudiar sobre os cadáveres dos tele-espectadores. Faltou tudo naquelas cenas. Falando nisso, onde anda o Agnaldo Silva? Tá em Lisboa ainda comendo aquela bacalhoada ao Zé do Pipo e lendo Eça de Queiroz? Ele precisa voltar rápido e tirar a novelinha do terreno baldio em que se meteu. Tá certo que Santo Agostinho disse “Inter faeces et urinam nascimur”, isto é, que nascemos entre fezes e urina, dada à geografia do corpo da "mamãe eu quero", na hora do nascimento do bebê, ainda mais se for de parto natural, mas essa novela tá exagerando na escatologia!
Outro dia foi o peixeiro, aquele malcheiroso rival do Antena que o Wolf Maia interpreta na uti possidetis da "gostosona" da Alzira, que no meio da vigília para ver se o Juvenal "antenava" a pobre senhora, teve uma súbita vontade de se aliviar e saiu daquele traste de Kombi que lhe serve de transporte e foi para o meio do mato com um rolo de papel higiênico na mão e voltou exibindo-o em primeiro plano, satisfeito da vida . Numa outra cena , uma ambulante que vende sucos e salgados numa bicicleta-quiosque também foi para o mato fazer o número 1 e nisso acaba descobrindo uma moça que foi atacada pelo "sufocador de piranhas". A tal, ex- programadora numa boate local estava desmaiada e toda rasgada entre sapos e dejetos num local chamado bucolicamente de "Brejolândia". E a coisa continuou noutro dia quando o personagem que Nuno Leal Maia interpreta (o Bebê) teve um ataque de prisão de ventre e fomos expostos aos seus ruídos intestinos e ventosidades abundantes. Pior que isso, ver como os seus companheiros da cena sentiram os odores fétidos dos vapores que emanaram daquelas convulsas entranhas.
Não contente, na sexta- feira passada (ou foi no sábado) o roteirista botou aquele sambista, Zé da Feira, se contorcendo todo no sofá com dores de barriga, e em seguida a correr para o banheiro donde ouvimos o grito de alívio, sugerindo que ele botou para fora suas apreensões num jato só. Para quem não se lembra, isso aconteceu no dia que ele tinha marcado para gravar aquele pagodinho chato que ele finge cantar. Pega leve!
Tentei falar que escatologia sempre foi um recurso do humor. Que é um caminho válido, etc e tal...
-Humor barato, de fim de feira. Ela me cortou, (aliás como sempre faz)
- Bota lá no seu grogue (ela nunca acerta falar blogue) que esse recurso é de quinta como dizem 9 entre 10 especialistas em etiqueta desse país sem modos.
O sonoro palavrão dito por um ator ou atriz do antigo teatro de revista, por si só fazia o público cair na gargalhada. Para ver que a coisa é antiga. Nem vamos entrar no terreno das mitologias , mesmo porque , ignorante sou dessa matéria, mas do pouco que sabemos , do fígado de Prometeu a um herói que nasce da barriga da perna de um Deus , vemos que a escatologia está na base do inconsciente coletivo e vai por aí...
-Essa novela está esculachando a Comunidade e ao mesmo tempo favelizando a nossa cultura audio-visual. Onde se viu , se aliviar no mato. Favela hoje tem banheiro com Jacuzzi e tudo!
Os aposentados brizolistas que jogam dominó na pracinha concordaram.
- Isso não acontece nem na coxilha! Adiantou um deles. O piá quando esta precisado usa a casinha.
Foi aí que o elevador chegou... e como não cabíamos todos lá, eu disse que iria em outro. Eles entraram com cuidado , protegendo a bandeira e a porta, digo a porta-bandeira e subiram. Não sei não, mas parece que ouvi as últimas palavras dela ecoando pelo poço do elevador e atingindo todo o prédio...Era uma coisa assim: "...ir ao Projac e mudar essa m... de novela". Mas poderia ser outra coisa, talvez eu ainda estivesse impressionado com esse papo escatológico e as imagens do bloco onde vi muita gente se aliviar nos muros e postes do caminho, mulheres inclusive se agachando sem a menor cerimônia no passeio, e sem pedir para o pessoal fazer com os corpos aquela barreira chamada "cortininha".
Pensei nos famosos banheiros-físico-químicos-quânticos. E na dificuldade de instalá-los em em toda cidade, pois agora tem bloco até em rua sem saída.Se essa seria a solução para evitar esse problema incivilizatório no próximo carnaval e pelo visto , na Portelinha também. Mas , como a cidade, parece que deixou de ser um território público para virar coisa "privada", creio que isso não é da competência do Prefeito e sim do Juvenal Antena da vez.

Fragmento do dia - O Vieira de Pessoa

Segundo/Antonio Vieira
O CÉU STRELLA e tem grandeza.
Este, que teve a fama e a glória que tem,
Imperador da língua portuguesa,
Foi-nos um céu tambem.

No immenso espaço seu de meditar,
Constellado de fórma e de visão,
Surge, prenuncio claro de luar,
El-Rei D.Sebastião.

Mas não, não é luar: é luz e ethereo.
É um dia; e, no céu amplo de desejo,
A madrugada irreal do Quinto Império
Doira as margens do Tejo.
(31-7-1929)
(Trecho de obra de Fernando Pessoa FERNANDO PESSOA ELE MESMO - Mensagem - Terceira Parte / O Encoberto II. Os Avisos - Segundo/Antonio Vieira em O Eu profundo e os outros Eus Editora Nova Fronteira)
Nota da Redação: Olha o Vieira aí de novo, gente! Pois é o Padre retorna nas palavras poéticas de Fernando Pessoa. Por favor, não me perguntem mais nada, a obra é toda bastante "pessoal" e conforme nota da introdução de Mensagem respeitou-se a ortografia original do autor . Este livro foi o único publicado por ele mesmo. Esta poesia, completa o fragmento que já publicamos que fala do Padre Vieira. (Leia nos Arquivos)

Meus cartuns histéricos - Amor no Medievo

9.2.08

Escuta o Rouxinol - de Blake à Beija-flor de Nilópolis



De Milton, Livro Segundo

Escuta o rouxinol

Escuta o Rouxinol que a Canção da Primavera entoa

e a suave Cotovia, no terno ramo pousada

que na aurora sibilante surge sobre os ondulantes
[Milharais

Regendo os refulgentes Corais do Sol; trina, trina
[trina,

Pela Imensa Vastidão deslizando nas asas da luz

Ecoando no azul intenso da Abóbada Celeste.

(Poema de William Blake em O casamento do céu e do Inferno & outros escritos - L&PM - Tradução e apresentação de Alberto Marsicano)
Nota da Redação: Quero ver William Blake um dia na Sapucaí.

Meus cartuns histéricos - Paquera Medieval

8.2.08

Aviso aos Navegantes

Este blogue voltará a publicar charges políticas depois de terça-feira, dia 12 de fevereiro. Enquanto isso por aqui ainda é pleno Carnaval:
Ei você aí,
Me dá um corporativo aí, me dá um corporativo aí,
Não vai dar, não vai dar não....
(Pelo jeito vai dar em CPI em Brasília e em Sampa - Sai de baixo, ou melhor, sai de cima, bicho!)

Crônica da Tinê - Vai, vai, beija-flor!


Xique-xique-xique... Tu-im, tu-im, tu-im... Trrrrec-plec-plec. Tum-tum. Telec-telec-telec. Plac-plac! Prriiiii... Tum! Leva um peteleco quem continuar com essa bateria, ouviram? Basta de peitos e bumbuns purpurinados, a batida virou batente, 2008 começa nesta segunda-feira.
Este ano bissexto trouxe um fenômeno a mais: desde 1913 que o ano não começava de verdade em pleno fevereiro.

Estou num quase deserto. O pessoal está nas praias capixabas e baianas com retorno no domingo. Até lá, sequer um apito carajá. Sem paticumbuns, pandeiro calado, o que ouço é o mimoso Catalunha sob a chuva no pasto: muuu...

Hora de retirar a maquiagem e os paus da barraca.
Guardar as plumas e os adereços com cuidado. Desmontar ou jogar as fantasias no lixo.
Pegar uns cremes para manter o bronzeado como prova de que vocês estiveram lá.
Umas pastilhas para combater a afonia.
Desopilar o fígado com o tônico evangélico Touro-Vermelho.
Ser gentil: mandar versos para a parceria ocasional, "coisa rica, não me leve a mal, até o próximo carnaval..." Vestir-se de roxo-quaresma para purgar os excessos dionisíacos.

Mandem fotos para que todos vejam como vocês desbundaram no oba-oba. Mesmo que alguns não acreditem que aquele, ou aquela, era você escorregando na poça de água ao fingir ser repórter só para chegar mais perto da madrinha da bateria ou do gatão BBB. Que beijaram o asfalto num passo em falso do frevo. Que deslizaram no corrimão da escada e - céus! - caíram no colo de algum figurão. Que a cara de bebum foi um choque no trio-elétrico. Que a roupa rasgada e o olho roxo-batata foram para caracterizar o Bloco dos Sujos. Nem adianta a desculpa de que rodopiaram entre as baianas para entrevistá-las em ação.
Sem discussão de que a folia de cá é a melhor, sem picuinhas sobre a autenticidade geográfica do samba, cada lugar tem o seu bamba. Façam como os curitibanos: que carnaval?!
E se preparem: dezenas de produtos aumentaram de preço no mercado, da sexta para a quarta-feira de Cinzas. Renovação de estoque fora do cordão. Bola preta para eles.

Não fiquem jururus, outras folias estão por vir.
Semana Santa, bolos pascais, coelhos, chocolates.
Lig-lig-lig-lé, lá vem o china na ponta do pé... diretamente das Olimpíadas de Pequim.
Repentistas políticos em campanha eleitoral. Aliás, aparar as arestas de cartões corporativos até virarem confete será discurso pra lá de federal.

O babadão do ano ficará por conta dos eventos pela aportagem de El-Rei Dão João VI em terra-brasilis. De companhia, 'su hermosa' Carlota Joachina, nas tarrascas por ter sido obrigada a largar as touradas de Madri, os quadros de Velásquez, os rascunhos de Cervantes... e ainda por cima – ou por baixo - vir dar com os costados nestas terras em que 'tudo se dá'.
Ela foi ao pau-brasil e também deu! (Três gerações seguintes, entrou na história o conde D’Eu.) Ora pois, uma corte mareada, neura e empiolhada que, no mata-desmata, desalojou cariocas para abrigar as trouxas reais. De cara, pela primeira vez, nos chamaram de gentalha. No troco, a bandalha.
Se os colonos plantavam bananeira, El-Rei foi plantar uma palmeira - devia ter fundado o Jardim Imperial com um jatobá, ainda estaria em pé pelos 200 anos da chegada da família-mor, batida de Lisboa com medo daquele presunçoso corso francês.
Com o calor, ficou inadiável o banho na praia de Ramos - não havia 'paparazzi' naquela época para flagrar o insólito mergulho real dentro de um tonel num cenário que já foi lindamente virginal. Debates, fofocas e corta-fitas até chegar...

Vocês me dão licença, reprisam o desfile das campeãs na TV. Em Sampa, Vai-Vai, no Rio, Beija-Flor, eu vou, vou.

[Tinê Soares - 6/2/2008 - 20:41:22]
N.R. A ilustração também é da Tinê

7.2.08

Fragmento do dia - Johnny Alf, um gênio

"Quer dizer então que Johnny Alf era um sucesso? Não. O Plaza tinha fama de caveira-de-burro e quse ninguém o freqüentava, mas para os músicos modernos de 1954, era o lugar porque, à falta de fregueses, podiam tocar o que quisessem. Quase todos os habitués já eram seguidores de Alf desde que ele estreara profissionalmente, em 1952, na recém inaugurada Cantina do César, de César de Alencar. O radialista precisava de um pianista para facilitar a digestão dos fregueses do seu restaurante, e o jovem Johnny lhe foi indicado por Dick Farney e Nora Ney, seus amigos do Sinatra-Farney. César de Alencar tinha orelhas tão de abano que seu apelido em certos círculos era Dumbo, mas pelo visto, usava-as também para escutar. Quando a comida da cantina se provou indigerível, ele converteu o restaurante num inferninho e permitiu a Alf se mostrar como quisesse.
Os primeiros a ir vê-lo na Cantina foram Donato e Dolores, seus vizinhos na Tijuca, e eles levaram os outros. Dolores em suas folgas do Clube da Chave, às vezes dava uma canja, acompanhada por um jovem pianista chamado Ribamar; ou então era o próprio Alf que acompanhava João Gilberto, o qual se limitava a cantar, sem violão, no canto mais escuro da boate. O repertório era o de sempre: lúcios e dicks a granel, ou seja, sambas-canções e alguns foxes."
(Trecho do capítulo A montanha, o sol, o mar do livro Chega de Saudade- A História e as Histórias da Bossa Nova de Ruy Castro - Companhia das Letras)
Nota da Redação: Leitura indispensável para entender o que foi esse fenômeno da Bossa Nova. Uns toques sobre termos do texto: Sinatra-Farney era um fã clube. Dolores é Dolores Duran, Donato é João Donato e Johnny Alf é um gênio que precisa ser sempre reconhecido. Ruy Castro fez justiça ao falar dele longamente em seu livro, demonstrando sua importância no movimento.

Mais um brinde: Um cartum de João Zero

Fragmento do dia - Começou o ano

"Acabou chorare, ficou tudo lindo"
(Comecinho de Acabou Chorare dos Novos Baianos - composição de Galvão e Moraes Moreira)
Nota da Redação: Me lembro deles andando pela Voluntários da Pátria lá no bairro de Santana em Sampa na década de 70 eu acho - O som deles é de primeira, brasileiríssimo!

Meus cartuns histéricos - Síndrome de Shrek

6.2.08

Fragmento do dia - Franny & Zooey

"Os tempos são adversos (irremediavelmente, aliás) para todos os estetas profissionais e, sem dúvida merecemos todos a sombria e palavrosa morte acadêmica de que, mais cedo ou mais tarde, estamos condenados a morrer."
(Trecho de uma carta datada de 1955 escrita pelo personagem Buddy Glass e endereçada ao seu irmão Zooey em Franny e Zooey de J. D. Salinger - Editora do Autor - tradução de Álvaro Cabral)
Nota da Redação - Franny e Zooey é de 1961 - o livro é fruto da junção de dois contos publicados na The New Yorkernos anos de 1955 e 1957. Consolidou o sucesso alcançado por Salinger ao publicar 10 anos antes O Apanhador no Campo de Centeio - sua obra prima.
F&Z pertence ao universo da família Glass. Uma família do barulho que merece ser conhecida.

Meus cartuns histéricos - Sofá medieval

5.2.08

Fragmento do dia - Grande Moacyr Franco!

"Hei você aí me dá um dinheiro aí
Me dá um dinheiro aí
Hei você aí me dá um dinheiro aí
Me dá um dinheiro aí..."
(Trecho da Marchinha Me dá um dinheiro aí de autoria de Ivan Ferreira-Homero Ferreira-Glauco Ferreira imortalizada por Moacyr Franco)
Nota da Redação: Esta nota pode ser de Euro (que o dólar tá baixim, baixim...
Agora sem brincadeira, esta marchinha é eterna. Grande Moacyr Franco
(Chorei largado!)

Meus cartuns histéricos - O olhar medieval

4.2.08

Fragmento do dia - Kafka

"Era noite já quando K. chegou. A aldeia permanecia imersa na neve. Não se via nada da colina; bruma e trevas rodeavam-na; nem o mais flébil resplendor revelava o grande castelo. Por muito tempo K. deteve-se sobre a ponte de madeira que do caminho real levava à aldeia, com os olhos erguidos para o aparente vazio."
(Trecho de abertura de O Castelo de Franz Kafka - Edições Tema - Tradução e Prefácio de Torrieri Guimarães)
Nota da Redação: Diante deste monumento é conveniente calar . Quem sabe um dia....

3.2.08

Meus cartuns histéricos - Império Romano

Fragmento do dia - Joyce escreve cartas a Nora

"15 de junho de 1904
Eu posso estar cego. Fitei por muito tempo uma cabeça coberta de cabelos castanho avermelhado e decidi que não era a tua. Voltei para casa bem deprimido. Gostaria de marcar um encontro mas talvez não te convenha. Espero que tenhas a bondade de marcar um comigo - se não te esqueceste de mim!"
James A. Joyce
(Em James Joyce/ Cartas a Nora Bernacle - Massao Ohno Editor - Tradução de Mary Pedrosa)
Nota da Redação : Isso é só o começo,e ele é terno. Depois vai esquentar, e como! Nora tornou possível o amor carnal ao ex-interno de colégio jesuíta, James Joyce, e ele gostou demais da conta.

2.2.08

Charge do dia 3 de fevereiro

Fragmento do dia - Zen

"Nós todos conhecemos o som de duas mãos que aplaudem.
Mas qual o som duma única mão que aplaude?"
(Pensamento zen utilizado como epígrafe do livro Nove Estórias de J.D. Salinger - Editora do Autor - Tradução de Jório Dauster Magalhães e Silva e Álvaro Gurgel de Alencar)

Meus cartuns histéricos - Dia do Fico

1.2.08

Crônica da Tinê - A Pequena Mandarim


Nem todo brasileiro gosta de samba e café, Carmem Miranda e acarajé. No meu tempo, sim, havia carnaval de verdade, reclamava a vó enquanto pregava os paetês.
"Quem foi que inventou o Brasil? Foi seu Cabral! Foi seu Cabral! No dia vinte e um de abril, dois meses depois do carnaval."
Os moradores das vilas se juntavam em modestos blocos de família, dizia a vó ao franzir os tules. Ela adorava Rui Barbosa, Carlos Gomes e Lamartine, eu não entendi por que ela citou o Rui, mesmo depois de ela ter explicado que ele dominava as letras... Bom, ela foi do tempo do entrudo, dos corsos e da água-de-cheiro.
"Depois Ceci amou Peri, Peri beijou Ceci ao som do Guarani!"
Pés no pedal, a vó girava a roda e botava a Singer a cantar o seu refrão metálico nos cetins, e só parava para ela mesma entoar um pedacinho do canto chiado no rádio, com os olhos voltados para o teto, para se concentrar na própria voz. A costura escapulia da agulha, ela endireitava e continuava... Quase todo cortiço tinha sua roda de samba. Pandeiro, sanfona e tamborim. Um violão ali. Um cavaquinho lá. O ritmo grave vinha das pontas dos dedos nas caixas de feira ou dos punhos no tampo das mesas. Talheres batidos de leve nos copos semicheios davam o ritmo agudo.
"Do Guarani ao guaraná surgiu a feijoada e mais tarde o Paraty."
As fantasias de bloco eram simples: um lençol amarrado na cintura, máscara, touca de meia com peruca de lã, ou uma malha de listras, calças largas, chapéu coco e uma bola no nariz. Ah, como era bom! Uma época em que o entusiasmo contagiaria o sujeito mais desafinado e desritmado que houvesse. Quem por ali passasse de mal-humor, sorriria e continuaria o seu caminho assobiando.
"Depois Ceci virou Iaiá, Peri virou Ioiô."
Da zona norte à zona sul, todos sabiam as letras na ponta da língua. Além dos diários pessoais, toda moça tinha de criar o seu caderno de música. Boleros dor-de-cotovelo, tangos angustiantes, modinhas, em português, castelhano, francês, italiano. As eruditas se esmeravam na caligrafia ao copiar trechos de óperas, Nabuco, Norma, Ninon, além do hinário nacional - era chique incluir a Marseilleuse assim como era de bom tom registrar o God Saves America - pois já não bastava o 'savoir-faire', já se impunha o 'know-how'.
"De lá pra cá tudo mudou!"
Especial atenção era dada às marchinhas. Ao folhear o que fora feito pela filha da avó, as páginas eram ilustradas com cantores do rádio recortados de revistas e colados a goma-arábica, aquele cheiro inebriante, um perfume encadernado. A vó pendurou no cabide o seu trabalho. Depois do escarcéu em não querer fantasia de mucama, a Sherazade da neta ficara pronta para o baile do clube. Para ir assistir o desfile na fervilhante avenida, seria outra. Paulinho, o amigo da escola, apareceu de malandro ‘vesti-uma-camisa-listrada-e-saí-por-aí’. Lá foram eles, levados pelo boêmio padrinho da menina.
"Passou-se o tempo da vovó, quem manda é a Severa e o cavalo Mossoró."
Não sou carnavalesca, prefiro chá, pimenta me faz mal, das Miranda escolheria a Aurora, sem bananas na cabeça. Mas daquele carnaval na Praça Onze ficou uma cena memorável: entre um malandrinho carioca e um malandrão francês de boina e lenço ao pescoço, eu pulava de mandarim estilizado em tecido quadriculado, cor-de-rosa do chapéu em cone até às chinelas; me puseram em cima de uma caixa de correio para ver melhor o cortejo; então tirei da bolsinha de palha meu estojo-carnaval: confetes, serpentinas, lança-perfume em frasco dourado e, aos berros, sobre aquela selva agitada de onças-pintadas, cantava:
"É o samba Ioiô, é o samba Iaiá, é o Bafo da Onça que acabou de chegar!"

[Tinê Soares - 28/1/2008 - 18:44:33]
(N.R- A foto também é da Tinê)

Fragmento do dia - Claudius e as fábulas políticas


(Página dupla da história O lobo e a ovelha extraída do livro Era um vez...- Fábulas Políticas de Claudius - Editora Brasiliense- Prefácio de Ana Maria Machado)
Nota da Redação: O genial cartunista (fabulista) Claudius (Claudius Ceccon) nos brindou com muitos desenhos e neste livro precioso ele nos conta suas fábulas onde a política se mistura com o imaginário que não é em nada infantil. Numa época em que Lobinhos e Lobões estão soltos (sem esquecer dos Lobbystas) é uma leitura necessária. E além disso existe o prazer de ver seu desenho, este sim fabuloso!

Sandra Medeiros fala sobre história da revista IMÃ


Quem se interessar em saber mais acerca da revista de poesia IMÃ pode ler ótima entrevista de sua editora, Sandra Medeiros, no site Tertulia cujo endereço é http://www.tertulia.art.br/
A capa aí do lado é de minha autoria. Na contracapa, a continuação da ilustração transforma a espada numa caneta com uma pena daquelas antigas - deveria ser um pincel já que trata da escrita japonesa.
Pelo jeito a IMÃ está de volta, agora no ciberespaço. Vida longa à IMÃ !