Eu não sabia de nada desta história que vou contar,sonhava com Walter Matthau dirigindo um táxi em Chicago comigo no banco do carona, mas minha mulher saiu decidida a comprar um radinho de pilha. Cismou que gostava de ouvir o noticiário em qualquer lugar do apartamento. Depois me contou que imaginou alternativas para isso, ou a gente instalava um sistema de alto-falantes em todos os cômodos, ou comprava um radinho FM e AM. Ela gosta de ouvir o Boechat e o Zé Simão na BandNews. Rola de rir com as brincadeiras dos dois logo de manhãzinha, enquanto eu estou no terceiro sono. Só os escuto na terceira edição e me divirto pra caramba também com as galhofas deles.
Estava eu no quarto sono e lá foi ela rumo a uma dessas grandes lojas que vendem produtos a preços baratos. Dirigiu-se diretamente para o setor de eletrônicos e encontrou um simpático rapaz que parecia tomar conta daquela área. Perguntou pelo pequeno rádio e recebeu uma resposta que foi como um soco no seu desejo, uma paulada que destruiu um objeto pelo qual nutria uma caloroso afeto.
- Isso não existe mais, senhora! Disse o rapaz na bucha.
Perplexa ela quis saber mais sobre esse falecimento incompreensível para ela. O que tinha sido feito do saudoso aparelhinho popular que alimentou as alegrias e tristezas de muitos torcedores nos estádios do Brasil, e que embalou sonhos de gerações de proletários com seu som vacilante, seus chiados fenomenais. Mais tarde disse que caiu numa fossa igual a quando acabaram com fusca. Sentiu o território da pós-modernidade se afastar dela, o rapaz falando lá de longe e ela, do outro lado tomando um copo do Crush e não entendendo nada.
O rapaz explicou que se ela quisesse, ele tinha um MP3,um MP4, ou um XSL5 ou qualquer outra gerningonça com o nome em forma de siglas enigmáticas onde ela poderia "
armazenar" mais de mil músicas.
-É uma espécie de "pen-drive", a senhora entende?
Ela ficou confusa, se conformou, meio contra a vontade e voltou para casa numa tristeza de dar dó. Quando vi a sua expressão desolada, perguntei:
-O que aconteceu, mataram o Kennedy de novo?
-Pare de fazer piadas sem graça...e para de ler esse livro do Norman Mailer sobre o Lee Oswald (ela me cortou na raíz) ...
Disse que tinha acontecido um problema muito grave. Falou que tinha passado por uma experiência terrível, que um rapaz havia dado uma notícia de falecimento de uma coisa assim de chofre , pior , era como se a informasse sobre o do fim de uma era, olhava para ela como se ela fosse um bicho em extinção, um animal de uma era esquecida no tempo. Num certo momento achou que ele mostrou uma certa arrogância além da diferença das gerações, era como se ela pertencesse a um outro planeta.
-Estou velha? Você vê alguma ruga se insinuando em meu rosto? Preciso mudar de creme? Tem algum cabelo branco está me traindo?
Não entendi de imediato o que estava pegando.
Foi aí que contou sua aventura antropológica da procura do radinho de pilha morto.
Terminou com uma pergunta: -Ainda existem pilhas?
Eu caí na gargalhada:- O rapaz matou o radinho? Isso é fan-tás-tico! Preciso avisar a Patrícia Poeta. Esse moleque está por fora, o radinho de pilha é o último bastião da individualidade do pobre. Não pode ser. O Lula não ia deixar. Vai ver que até deve fazer parte do Bolsa Família.
Ela insistiu: -Vai ver que nós é que estamos por fora. Esse negócio acabou, assim como as geleiras que estão derretendo todos os dias, o Al Gore tem razão, tudo acabou ou então é Zygmunt Bauman:-modernidade líqüida e está tudo liquidado! Pode ser pior,é como disse o Marshall Berman, tudo que é sólido desmancha no ar...O radinho virou fumaça, partículas sufocantes de carbono se concentrando na atmosfera , estão acabando com a camada de ozônio...etc e tal .E foi preenchendo uma lista de coisas que desapareceram até chegar à última estampa eucalol...
-Peraí, eu disse, vamos lá de novo. Botei minha bermuda azul que ganhei no Natal e partimos para a loja com um ânimo de samurais a procura de inimigos na nossa cidadela , eu Toshiro Mifune, ela Ziyi Zhang...
Chegamos ao departamento de eletrônicos e para variar a gente se perdeu.
Eu rapidamente resumi minha tese sobre o desenho dos grandes magazines:- O modelo da arquitetura é o labirinto. Tudo é feito para você se desorientar e ir achando vários produtos atraentes pelo caminho enquanto persegue aquele que deseja comprar. Leva um monte de quinquilharias para casa. Será que estou repetindo algum teórico que li por aí? Dizem que não há mais nenhuma teoria original sobre a terra!
E foi aí que demos de cara com uns rádinhos simpaticíssimos, multicoloridos pendurados numa prateleira. Cada um deles tinha um adesivo de um clube do Rio. Eram radinhos feitos para o cara ir ao Maraca assistir ao seu clássico. Escolhemos um do time do coração dela - era AM FM, funcionava a pilha. Nem fizemos teste, levamos um do meu time também. Compramos pilhas e chegando em casa fomos logo botando para funcionar. Uma beleza, eles pegaram tudo que é estação. E ainda levamos de brinde a sensação de que ainda pertencemos a um só mundo que conserva algumas coisas boas. O rapaz que matou o radinho, no entanto, com sua fúria assassina, deve estar no seu admirável mundo novo junto com Chuck Norris, Schwarzenegger , Steven Seagal e outros exterminadores do futuro.